domingo, 1 de dezembro de 2013

As escolas primárias dos Olivais em meados do século XIX

Corria o ano de 1862 quando o Governo Civil de Lisboa realizou um inquérito ao estado da instrução primária no respetivo Distrito. Neste, fica-se a saber que na freguesia de Santa Maria dos Olivais, à época pertencente ao concelho homónimo, funcionavam 4 estabelecimentos de ensino primário: 2 estatais e destinados exclusivamente ao sexo masculino e 2 particulares repartidos entre o sexo masculino e o sexo feminino.

O resultado era uma população escolar muito desequilibrada em termos de género, visto que 93 rapazes olivalenses frequentavam o ensino primário, mas apenas 23 raparigas tinham o mesmo privilégio. A população escolar da freguesia 116 alunos num total de cerca de 2.000 habitantes, não existindo qualquer estabelecimento de ensino secundário no concelho.

A generalidade das escolas primárias oitocentistas, públicas ou privadas, estavam muito longe da ideia que hoje temos do ensino primário. Algumas não tinham edifício próprio, funcionando em espaços adaptados ou mesmo na residência particular do professor; os alunos eram, frequentemente, agrupados numa mesma sala não obstante estarem fases diferentes do seu percurso escolar; os horários e o calendário escolar eram totalmente diferentes do atual.

A julgar pelas conclusões do inquérito, as duas escolas públicas primárias dos Olivais, administradas pela Câmara Municipal, encontravam-se em boas condições. Os seus 67 alunos dirigiam-se a um edifício próprio - ao número 180 do Rossio dos Olivais ou ao número 663 do Poço Bispo -, onde encontravam mobiliário adequado, embora o papel e a tinta - à semelhança de hoje em dia - fossem fornecidos pelos próprios alunos. Em caso de impossibilidade devido a alguma situação de pobreza, o professor estava incumbido de suportar todos os custos com material.   

O mais curioso no funcionamento destas escolas - e que reflete a forma diferente como se encarava o ensino no século XIX e na atualidade - são as idades dos alunos. Estas variavam entre os 6 e os 14 anos, mostrando as frequentes interrupções do percurso escolar devido a questões laborais ou a entrada tardia no sistema de ensino, fruto da pouca utilidade que este, à primeira vista, poderia ter para uma população essencialmente rural ou de operários desqualificados.

Já as escolas privadas - situadas, novamente, no Rossio dos Olivais e na Rua Nova* - funcionavam em residências particulares. A escola feminina era suportada totalmente pelo benemérito Ricardo Lambert, e dirigida por Maria do Bonfim, apesar desta não possuir autorização oficial para o fazer. O programa de ensino, além do habitual ensinar a «ler, escrever e contar», incluía também «doutrina cristã» e uma disciplina de «cozer». O inquérito, infelizmente, não discrimina quais os manuais desta escola, pelo que é impossível comparar com a sua congénere masculina. 

Nesta, dirigida por António José da Cunha, também ele sem autorização para o fazer, usavam-se os manuais de Monteverde, de Montpellier, do Abáde de Salamonde e a História Sagrada.

Comum a todas as escolas, públicas ou privadas, masculinas ou femininas, era o Compêndio do Novo Sistema Métrico Decimal, fornecido, aliás, pelo próprio Administrador do Concelho.   

Adotado oficialmente em Dezembro de 1852, tendo sido tornado de uso exclusivo e obrigatório a partir de 1 de Janeiro de 1860, na verdade utilização do sistema de pesos e medidas de Antigo Regime prolongou-se no tempo, mesmo apesar das multas a que estavam sujeitos todos aqueles que não utilizassem o novo sistema métrico-decimal.

Cientes do problema que isso acarretava para o quotidiano das populações, as autoridades portuguesas empreenderam um grande esforço para fazer triunfar o novo método de medir e pesar. O ensino foi, como seria de esperar, um dos seus principais campos de batalha.  

* A Rua Nova, no sítio da Aldeia, situava-se próxima da Igreja Matriz dos Olivais, no núcleo histórico dos Olivais Velho.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Portalegre: uma cidade com um património (Visita dia 14 de Dezembro)

Fui pela primeira vez a Portalegre algures em 2003 ou 2004. Visitei os locais que, na altura, me pareceram óbvios: o Castelo, a Sé e pouco mais, tendo ficado com a impressão que se tratava de uma cidade com algum património potencialmente subaproveitado. Mais tarde, entre 2010 e 2011, trabalhei na cidade e foi aí que realmente a descobri. 


Foto 1 - Igreja de São Francisco de Portalegre (Séc. XIV)


Desde património industrial ao gótico, passando pelo Barroco e o Maneirismo, há de tudo um pouco nesta cidade. Um pouco, não! Há de tudo muito. No centro histórico multiplicam-se as casas com janelas e portas góticas, manuelinas e maneiristas. Em cada esquina encontramos um Palácio, uma Fonte, uma Igreja, um pedaço de Muralha, uma Torre do Castelo, uma Chaminé de uma Fábrica com centenas de anos.


Foto 2 - Fábrica Robinson (Séc. XIX)


Só Conventos, de rara beleza estética e arquitetónica, recordo-me, de cor, de três (São Francisco, São Bernardo e Santa Clara), um Colégio Jesuíta - hoje sede da Câmara Municipal - e um sem número de palácios - Barahona, Achiolli, Condes de Vila Real, etc. 


Foto 3 - Palácio Barahona (1800)


Com tamanho património é incompreensível a falta de turistas na cidade, a pouca oferta hoteleira e, sobretudo, o desconhecimento de alguns portalegrenses da sua história. Por todos estes motivos convido os leitores, se assim o desejarem, a virem comigo, no próximo dia 14 de Dezembro, Sábado, a visitarem a cidade de Portalegre. A ideia será, se existir um quórum mínimo de 8 pessoas, visitar o espaço Robinson e a Igreja de São Francisco de manhã e, após o almoço, a rede de património de Portalegre - um roteiro pelos principais monumentos da cidade. Consoante o número de interessados, marcar-se-á um restaurante em conta para o efeito. 

O custo das visitas é de apenas 2 € e a marcação terá que ser feita até dia 7 de Dezembro.



Foto 4 - Janela do Palácio dos Condes de Vila Real (Séc. XVI)

Prevendo que a maioria dos meus leitores norte-alentejanos sejam de Ponte de Sor, parece-me lógico a visita à ainda capital do Distrito. No entanto, uma visita a certos locais de Ponte de Sor também seria bastante frutuosa que, no caso de perceber que existe essa lacuna entre as pessoas com quem me relaciono, será a próxima.

Assim, se estiverem interessados, enviem um e-mail para: cmsaff@gmail.com

Aos lisboetas gostava que viessem descobrir esta cidade e, ao mesmo tempo, Ponte de Sor.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Saúde Pública no concelho dos Olivais

No século XIX, a sociedade «ocidental» aprofundou a consciência de que determinadas medidas de higiene tinham fortes repercussões na saúde pública. Neste sentido, a administração central do Estado emitiu, com alguma frequência, relatórios em que se aconselhavam determinadas práticas. Aliás, a Ana Isabel Silva já aqui deixou um bom exemplo aquando da epidemia de cólera de 1854.

Também as autoridades municipais procuraram melhorar o estado de salubridade dos territórios que administravam, através da publicação de posturas que obrigavam à manutenção de melhores níveis de higiene. Ora, o Município dos Olivais não constituiu exceção e, em 1853, um ano após a sua fundação, estabeleceu algumas medidas de higiene pública através da publicação de posturas nesse sentido.

Assim, a Comissão Municipal dos Olivais, após uma reunião ordinária na sede do Município, à época situada no número 3 do Largo do Leão a Arroios, aprovou uma postura que regulamentava o funcionamento dos açougues. Embora se tratem de diversos assuntos nesta postura, o artigo segundo refere que "Todos os açougues serão conversados no maior aceio possível, não só a casa, como tambem todos os utensilios, e ferramentas". Porém, há que admitir que se tratava de uma medida algo vaga e, na minha opinião, facilmente passível de ser ignorada, pelo que irá, como iremos ver, ser alvo de uma maior concretização.

Figura 1 - A atual freguesia dos Olivais em 1855.

Em seguida, em Julho de 1853, numa postura relativa ao estado das vias públicas, a Comissão Municipal proibiu "(...) todas as estrumeiras nos caminhos publicos, ruas e praças deste Concelho, bem como todas as que se acham junto das habitações (...)", acrescentando ainda que "(...) d'ora em diante só poderão ser feitas em distancia de trinta braças das mesmas habitações (...)".

Regressando, em Agosto de 1857, ao comércio de carne, a agora Câmara Municipal aperta a fiscalização a esta atividade, contratando um facultativo (médico) para examinar a qualidade da carne vendida nos açougues Olivalenses. Adicionalmente, proibiu-se a venda "(...) volante de carnes verdes e seccas (...)" e de carne cuja a proveniência não fosse um dos matadouros aprovados pela Câmara Municipal, sendo designado um Fiscal Municipal para acompanhar todo o processo. 

Por último, ainda na mesma postura, todos os fornecedores de carnes verdes são "(...) obrigados a dar entrada franca, tanto nos matadouros, como nos talhos, e seus respectivos accessorios não só aos officiaes da Camara (...) a fim de que ahi se possa exercer a necessaria inspecção hygienica (...)".

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Mouzinho da Silveira - «Um homem do Alto Alentejo»

José Xavier Mouzinho da Silveira (1780-1849) é uma das principais referências da Monarquia Constitucional portuguesa (1834-1910). Envolvido nos principais conflitos que levaram à afirmação do novo regime, Mouzinho da Silveira será também recordado por um  extenso conjunto de medidas de carácter legislativo que alteraram radicalmente a sociedade portuguesa. Entre estas encontram-se as limitações impostas (e, por vezes, extinção) às instituições vinculares - morgados, capelas, etc. -, a abolição do pagamento dos dízimos, a organização judicial e administrativa do Reino, entre muitas, muitas, outras. A sua atividade foi tão intensa que merecia, por si só, uma nova biografia. 

A sua vida ficou intimamente ligada ao Alto Alentejo, desde logo por ter nascido em Castelo de Vide, em 1780. Mais tarde, em 1809, iniciou a sua carreira como magistrado como Juiz de Fora de Marvão. Foi ainda Provedor da Comarca de Portalegre (1817-1821) e deputado, pelo círculo do Alentejo, na Câmara dos Deputados (1826-1828).

Mouzinho viria a falecer em 1849, em Lisboa, mas cumprindo a vontade do seu testamento foi enterrado na freguesia da Margem, concelho de Gavião*. Posteriormente, em 1875, foi erguido um monumento, no largo principal da freguesia de Margem, à sua memória, tendo a sua construção sido financiada por uma subscrição pública do Jornal do Commercio.

Muito mais haveria para dizer, mas este post serve apenas para um pequeno enquadramento das fotografias que se seguem.

* Mouzinho expressara, como primeira escolha, a vontade de ser enterrado na Ilha do Corvo, mas por motivos de ordem logística e financeira, que o próprio previra referindo Margem como alternativa, tal não veio a acontecer.

 Foto 1 - Sala do Tribunal de Marvão em que Mouzinho se estreou como Juiz.

  Foto 2 - Tribuna onde Mouzinho iniciou a sua atividade como magistrado (Marvão)

Foto 3 - Busto de Mouzinho da Silveira no largo principal, com o seu nome, da freguesia de Margem (Gavião)

Foto 4 - A última vontade de Mouzinho da Silveira (Margem, Gavião). 

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Produção Alentejana de cortiça, em 1905, discriminada por concelho

Algumas das principais problemáticas do meu projeto de doutoramento serão estudadas a partir dos registos notariais dos concelhos alentejanos com maior produção florestal e industrial de cortiça. É a partir da informação contida neste tipo de fontes que procurarei resolver as problemáticas relativas ao funcionamento do mercado da terra, entre as quais saliento a análise detalhada dos contratos de arrendamento e/ou de venda de cortiça.





Os conteúdos dos registos notariais encerram ainda informações sobre o estabelecimento de sociedades comerciais e industriais, pelo que também possuem algum potencial na caracterização da indústria corticeira presente no Alentejo. Já relacionado somente com a problemática da deslocalização industrial e das estratégias empresariais, estes registos permitir-me-ão determinar a constituição (ou não) de redes de informação sustentadas pelas empresas, através do recurso a colaboradores no terreno. Toda esta importante documentação encontra-se disponível para consulta nos diversos Arquivos Distritais da região Alentejana – Portalegre, Setúbal, Évora e Beja.


No entanto, sendo impossível consultar todos os concelhos, há que fazer uma escolha. Assim, estou-me a centrar num conjunto selecionado de municípios do espaço alentejano. Este não são mais do que o «TOP 10» em termos de produção de cortiça aos quais se juntam, pelo facto de se terem constituído como importantes centros industriais de cortiça, os concelhos de Portalegre (sede da Robinson Cork Grewers, Ltd.), e de Estremoz (sede da Sociedade Nacional de Cortiças, propriedade da família Reynolds).

Deixo-vos, por mera curiosidade, essa lista.

Produção Alentejana de cortiça discriminada por concelho (1905)


Fonte: Arquivo Nacional da Torre do Tombo/ Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria/ Direcção-Geral de Agricultura/ NP 952/ Documento 10.

Legenda: A castanho os concelhos em que estou a pesquisar (ou pesquisarei) os respetivos registos notariais.

Nota: Veja-se como, em 1941, Ponte de Sor já tinha ultrapassado muitos dos concelhos que aqui ainda se encontravam à sua frente: http://sobreaponte.blogspot.pt/2012/11/concelhos-com-maior-producao-de-cortica.html

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A demolição da Igreja da Encarnação - Um caso de destruição de património histórico

O atual bairro da encarnação deve o seu a uma Igreja - cujo topónimo posteriormente se difundiu por todo aquele lugar -, dedicada a Nossa Senhora da Encarnação, que, infelizmente, foi demolida nos anos 1940. Este templo datava do início do séc. XVIII, sendo, inclusivamente, descrito nas Memórias Paroquiais de Lisboa (1758). 

A Igreja situava-se nas portas (portela) de Lisboa, na convergência entre a Estrada de Sacavém e a Estrada da Circunvalação - de que hoje ainda resta um pequeno troço nas traseiras do Externato São Miguel Arcanjo -, onde também existia uma dependência do Banco Borges & Irmão, um posto fiscal do Ministério das Finanças e uma fábrica de loiça.

Atualmente, para quem conhece o local, toda esta estrutura situar-se-ia algures entre a Escola de Comércio de Lisboa; o viaduto da Avenida Alfredo Bensaúde; o antigo RALIS (Regimento de Artilharia de Lisboa) e a estação de lavagem de automóveis.  

Adquirida pela Câmara Municipal de Lisboa, em Janeiro de 1940, pouco depois a Igreja, que já se encontrava em estado avançado de degradação, foi demolida. Resta, felizmente, uma fotografia no Arquivo Municipal de Lisboa, recuperada na obra "O bairro da Encarnação e as antigas quintas dos Olivais" da autoria Carlos Inácio e Fernando Barreiros. É essa a fotografia que aqui se reproduz

 Igreja da Encarnação (séc. XVIII), em 1939. Fonte: Inácio, Carlos; Barreiro, Fernando - O bairro da Encarnação e as antigas quintas dos Olivais. Lisboa: Edição de autor, 2012.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Arquitetura civil oitocentista: entre Ponte de Sor e Olivais

No passado dia 21 de setembro, os “Encontros com a História” associaram-se à comemoração das Jornadas Europeias do Património e tive oportunidade de apresentar, no CAC de Ponte de Sor, uma pequena comunicação sobre “Arquitetura civil oitocentista no concelho de Ponte de Sor”. Tendo começado por caraterizar o contexto da produção arquitetónica em Portugal ao longo do século XIX, marcado sucessiva e também cumulativamente pelo neoclassicismo, o romantismo e o ecletismo, centrei-me depois nas tendências verificadas na arquitetura do sul do país e, em particular, em alguns imóveis oitocentistas do concelho de Ponte de Sor. Foi possível identificar elementos arquitetónicos neoclássicos, designadamente o traçado retilíneo das fachadas, o desenho de alguns vãos e o recurso a frisos e platibandas (sobretudo com balaustrada), encimadas por acrotérios (em forma de vaso ou esfera) e/ou estátuas. Mas verifica-se igualmente a introdução de componentes decorativos românticos e ecléticos, sobretudo o revestimento azulejar das fachadas e os belos trabalhos em ferro nas guardas e nas bandeiras dos vãos.


O estudo de um determinado assunto, principalmente no que à arte diz respeito, aguça-nos o olhar e desperta-nos para realidades que até então nos tinham passado despercebidas. Depois de umas semanas a estudar a arquitetura oitocentista e a observar atentamente imagens de múltiplos edifícios, incluindo pormenores que se perdem nas vistas gerais das fachadas, dei por mim a ver de outra forma ou a “ver” pela primeira vez diversos imóveis, não só em Ponte de Sor, mas também em Lisboa e, em particular, na zona dos Olivais. Aliás, neste caso, julgo ter despertado o mesmo tipo de “olhar” ao Carlos, que me alertou para as várias semelhanças entre os edifícios do centro histórico daquela freguesia lisboeta e os de Ponte de Sor, analisados na referida comunicação. Afinal (e não resisto a esta pequena provocação), constata-se que na então ainda “Capital do Império”, a par das tendências mais modernas e dos exemplares da “arquitetura de ponta” a nível nacional, se projetava de forma semelhante à da província, no que a arquitetura doméstica erudita diz respeito.

[Nota do editor: Os Olivais foram sede de concelho até 1886 e, portanto, não estavam integrados em Lisboa na época em que alguns destes edifícios foram projetados. Posteriormente, a freguesia continuou a manter um certo carácter pefiférico que só se esbateu totalmente em meados do século XX. Este tipo de arquitectura encontra-se, com facilidade, na Rua de São Bento com cronologias mais recuadas - anos 1850. Isto sem nenhum desprimor para «as nossas terras», Olivais e Ponte de Sor]

Seguem abaixo diversas fotografias de conjunto e de pormenores de imóveis oitocentistas pontessorenses, em particular, os Paços do Concelho e as Casas das Famílias Góis, Branco e Braga; bem como de dois edifícios contemporâneos olivalenses, ambos mandados edificar pelo industrial Francisco Alves Gouveia.

Casa da Família Goes (1877), Ponte de Sor.
Pormenor do gradeamento em ferro da Casa Goes.
Acrotério em forma de vaso, Casa Goes.

Paços do Concelho de Ponte de Sor (1886).
Acrotério de forma esférica, encimando o frontão da fachada lateral dos Paços do Concelho de Ponte de Sor. É idêntico ao que encontramos num dos edifícios da freguesia lisboeta dos Olivais (ver abaixo).
Acrotério em forma de vaso, Paços do Concelho de Ponte de Sor.

Casa da Família Braga (1900), Galveias, Ponte de Sor.
Estátua em cerâmica, figura feminina, Casa Braga.
Estátua em cerâmica, figura masculina, Casa Braga.

Casa mandada construir por António Pais Branco (1899), Ponte de Sor.
Pormenor do revestimento azulejar da fachada da Casa Pais Branco.

Pormenor do gradeamento em ferro da Casa Branco.


Casa mandada construir pelo industrial F. A. Gouveia, Olivais, Lisboa.
Acrotério em forma de vaso ou urna, casa acima.
Acrotério de forma piramidal, casa acima.
Friso com revestimento azulejar, casa acima.

Casa mandada construir pelo industrial F. A. Gouveia (1899), Praça da Viscondessa dos Olivais.
Revestimento azulejar da fachada da casa acima, incluindo o nome do encomendador e a data de construção.
Pormenor da platibanda da casa acima, com estátua e acrotério.

Estátua em barro (?), figura feminina, casa acima.
Acrotério de forma esférica, casa acima. É idêntico ao que encontramos no edifício dos Paços do Concelho de Ponte de Sor (ver acima).

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Um mercado que não reage? A transformação industrial de cortiça em Portugal (1870-1930)

A exportação de cortiça em Portugal, ao contrário do que se poderia pensar do maior produtor mundial de cortiça, privilegiava a venda da matéria-prima em bruto ou semitransformada, com pouco ou nenhum valor acrescentado, em detrimento da exportação de cortiça transformada, de elevado valor acrescentado. Como exemplo, posso adiantar que, entre 1867 e 1933, um quilograma de cortiça transformada foi vendido por um valor entre 2 a 5 vezes superior ao da cortiça em bruto ou semitransformada.

Gráfico 1 - Rácio do valor de cortiça transformada/cortiça semitransformada ou em bruto 


Ainda assim, a percentagem de cortiça transformada pela indústria nacional cresceu, neste período, mas de forma muito lenta. Aliás, como se pode verificar no gráfico anterior, o preço da cortiça transforma mostrou uma tendência de crescimento, não obstantes diversas oscilações, superior à matéria-prima semitransformada ou em bruto.


Na realidade, a indústria corticeira portuguesa parece ter reagido muito lentamente à subida de preço da cortiça transformada, já que a correlação entre o preço desta e percentagem de cortiça transformada no total das exportações portuguesas é de 0,15. Ou seja, existe uma fraca ligação entre a valorização da cortiça e a sua transformação industrial em terras lusas.

Fica a pergunta: porque é que os agentes económicos não reagiram ao mercado?

domingo, 6 de outubro de 2013

Capela dos Alpoim na Igreja Paroquial de Santa Maria dos Olivais

Na atual freguesia dos Olivais dos quatro edifícios utilizados como Igreja, apenas uma, a Igreja Paroquial de Santa Maria dos Olivais, foi edificada anteriormente ao século XX. Isto porque uma outra, situada junto às portas (portela) de Lisboa foi demolida aquando da construção do Aeroporto. Mas isso será um assunto que abordarei noutra ocasião.

A Igreja Paroquial de Santa Maria dos Olivais, como creio ser do conhecimento da grande maioria dos Olivalenses, foi fundada nos finais do séc. XIV. Contudo, o edifício atual é fruto de uma reconstrução setecentista, com bastantes alterações sofridas após o terramoto de 1755.

Sendo relativamente simples, com uma única nave, possui, no entanto, duas capelas. A do lado esquerdo, com a evocação de Nossa Senhora de Lourdes, ostenta o brasão da família Alpoim, bem como uma sepultura da mesma família.

Brasão da família Alpoim no arco de uma capela lateral da Igreja Paroquial de Santa Maria dos Olivais

Era bastante comum, no Antigo Regime, que determinadas instituições (confrarias, algumas misericórdias de menores posses, etc.), assim como as famílias nobres, erguessem capelas privadas. Nestas poder-se-ia prestar culto aos padroeiros da irmandade, aos irmãos ou aos defuntos da família, consoante a capela fosse «institucional» ou «familiar». Era também comum a «aquisição» de missas - que, por um montante mais elevado, podiam ser cantadas - por alma dos que faleceram.

A Igreja Paroquial de Santa Maria dos Olivais não constitui exceção e aqui ficam duas imagens, convidando todos os Olivalenses a visitarem este imóvel classificado como de Interesse Público.

Sepultura ostentando o brasão dos Alpoim. Igreja Paroquial de Santa Maria dos Olivais.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

1º Visconde dos Olivais - Uma breve biografia

Aquele que viria a ser o primeiro Visconde dos Olivais, António Teófilo de Araújo, nasceu em Lisboa, a 5 de Março de 1804. Filho de um tesoureiro minhoto, o jovem António Araújo casou aos 19 anos, em 1823, com Maria Rosa de Araújo Veiga, natural de Macau, filha de um opulento capitalista, proprietário e filantropo Macaense.

Ainda relativamente jovem fez importantes investimentos no setor segurador, adquirindo ações da Companhia Confiança, em 1838, e, mais tarde, da Confiança Nacional, em 1845.

Em 1847, o futuro Visconde dos Olivais adquiriu 70 acções do Banco de Portugal, iniciando, desta forma, um longo percurso naquela instituição, na qual exerceu diversos cargos de administração. Assim, António Araújo foi membro do Conselho Fiscal (1854-78) e director do Banco de Portugal, no ano de 1862. Por outro lado, o Visconde era também um dos principais accionistas, chegando a possuir, nos anos 1870, cerca de 700 acções.

Com tamanha importância económico-financeira, não é de espantar a nobilitação como Visconde dos Olivais, com que o Rei D. Luís o agraciou por Decreto de 22 de Março de 1864.

Mas para além do Banco de Portugal, o agora Visconde dos Olivais foi o principal promotor da Companhia de Águas de Lisboa - com uma quota de 80 contos de réis -, esteve no grupo fundador da Companhia Geral de Edificações - empresa de construção civil -, e do Banco Lisboa e Açores, em 1875. Este Banco está na origem do atual Santader-Totta.  

A fortuna do banqueiro valeu-lhe ainda figurar, no censo eleitoral de 1872, como um dos 40 maiores contribuintes de Lisboa, enquanto, em 1877, passou a ter assento no Conselho Municipal, devido ao facto de se encontrar entre os 24 maiores proprietários da capital.

As ligações entre o poder económico e político não são de hoje, e o Visconde dos Olivais foi um membro ativo do Partido Histórico, sendo eleito sucessivamente deputado na Câmara dos Deputados, entre 1865 e 1874, primeiro pelo círculo de Póvoa do Lanhoso, terra de seu pai, e posteriormente pelo círculo de Lisboa.




A 16 de Julho de 1870 foi elevado, por carta Régia, a par do Reino. Pertenceu a diversas Comissões Parlamentares, entre as quais as de Agricultura (1865,66,68,1870-74), pelo que espero «encontrar-me com ele» nas minhas próximas pesquisas.

Fidalgo da Casa Real, Comendador da Ordem de Cristo e de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa, o Visconde dos Olivais faleceu, na Lapa, a 4 de Agosto de 1879.

Sem descendência, o título passou para a sua sobrinha e principal herdeira, Clotilde Veiga de Araújo.

Uma última nota para a sua esposa que, seguindo o cariz filantrópico do seu próprio pai, fundou um importante asilo para crianças pobres, nos Olivais, ao qual legou 14 contos de réis.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Arquivo Histórico Municipal de Ponte de Sor | Documentos do mês | setembro 2013 | Os Menezes: morgados de Ponte de Sor (séculos XV-XIX)

No mês de setembro, a mostra "Documentos do mês", patente no Centro de Artes e Cultura, articula-se com a iniciativa integrada na comemoração das Jornadas Europeias do Património, que consistirá numa conferência intitulada “Arquitetura civil oitocentista no concelho de Ponte de Sor: as Casas das Famílias Goes e Braga”, a realizar no CAC, no dia 21 de setembro, pelas 16h30. A Casa da Família Goes, situada na Rua Vaz Monteiro, em Ponte de Sor, foi construída no final do século XIX no preciso local onde até então existia um prédio, que Primo Pedro de Andrade apelida de «Solar», pertencente aos Menezes, detentores do Morgado de São Francisco de Ponte de Sor.

Morgado ou morgadio consistiu numa forma institucional e jurídica de defesa da base económica territorial da nobreza, pois de acordo com este sistema, que se desenvolveu em Portugal a partir do século XIII e só foi extinto em 1863, os domínios senhoriais eram inalienáveis, indivisíveis e insuscetíveis de partilha por morte do seu titular, transmitindo-se nas mesmas condições ao descendente varão primogénito. A referência mais antiga que até agora encontrámos ao Morgado de Ponte de Sor é o sumário de uma escritura celebrada em 1504, integrado num inventário do cartório da «Caza de Menezes. Ponte do Sôr», que está conservado no Arquivo Histórico Municipal (Doc. 1). O referido sumário documenta a compra de uns casais em Sintra pertencentes ao Morgado de Ponte de Sor, sendo o comprador Gonçalo Vaz de Azevedo, que foi Senhor desta vila e Alcaide-Mor de Sintra, títulos adquiridos ao seu tio, Pedro Lopes de Azevedo (Doc. 2). É possível que a ligação da família Menezes a Ponte de Sor se tenha estabelecido através do casamento de Gonçalo de Azevedo com Leonor de Castro, filha de Fernando de Menezes, o Roxo, o qual nasceu cerca de 1430 e foi o 1.º Senhor do Louriçal, senhorio que se autonomizou a partir do dos Menezes de Cantanhede. Gonçalo de Azevedo e Leonor de Castro tiveram três filhos, dois homens e uma mulher, tendo o primogénito morrido em Arzila e passando o senhorio de Ponte de Sor para o filho segundo, Francisco de Azevedo e Lucena ou de Menezes. Este casou duas vezes, mas não teve descendência, acabando o senhorio por transitar para um seu sobrinho, filho da irmã, Isabel de Castro, e de António Correia Baharém, fidalgo do século XVI que se distinguiu nas guerras do Oriente. Séculos mais tarde, o último morgado de Ponte de Sor foi Manuel Maria de Menezes, o qual, como comprovam as escrituras conservadas no Arquivo do Cartório Notarial de Ponte de Sor, começou a vender as propriedades que aqui possuía em 1892 e se desfez da maioria dos bens pertencentes ao Morgado de São Francisco de Ponte de Sor no ano de 1898.

Documento 1
1498 Junho 30, Lisboa – Carta de venda e doação feita por Pêro Lopes de Azevedo, Fidalgo da Casa d’El Rei e Senhor de Ponte de Sor, e por sua mulher Dona Isabel de Miranda ao Doutor Gonçalo de Azevedo, Fidalgo da Casa d’El Rei, Desembargador do Paço e sobrinho daqueles, da dita vila de Ponte de Sor, com todo o seu termo, jurisdição cível e crime, alcaidaria e todos os direitos que nela possuíam, bem como das casas que tinham na vila, com seus chãos e pombal, pela quantia de 80.000 réis brancos da moeda então corrente, ficando como fiador, em caso de morte do comprador sem que a dívida estivesse saldada, Dom Diego de Castro, do Conselho d’El Rei, Alcaide-Mor do Sabugal e Senhor das terras de Lanhoso, Cinfães, Santa Cruz. Testemunhas: Licenciado João de Braga, Fernão Vieira, Escudeiro de Pêro Lopes, e Gonçalo Vaz, moradores em Ponte de Sor. Tabelião: Silvestre Afonso, Escudeiro d’El Rei e seu Tabelião em Lisboa. AHMPS. Proveniência: doação particular.

Documento 2
[S.d., s.l.] – Inventário do cartório da «Caza de Menezes. Ponte do Sôr». Data possivelmente do século XVIII e elenca um vasto conjunto de documentos, distribuídos por três maços e numerados (no Maço I, 40 documentos; no Maço II, 42; no Maço III, 57). Infelizmente, desconhecemos o paradeiro do cartório, restando-nos apenas os sumários da documentação que o compunha. Trata-se de escrituras relacionadas com a posse e a administração de direitos e de bens imóveis, lavradas entre os séculos XV e XVIII. AHMPS. Proveniência: doação particular.


quinta-feira, 18 de julho de 2013

A origem histórica do vinho Alentejano


Não há. Ou melhor, claro que existe, mas é bastante recente, em termos quantitativos, do que à partida se poderia esperar, pois, na realidade, o Alentejo era, até sensivelmente os anos 1980, uma região com pouca produção de vinho. Este facto já se fazia sentir em meados do século XIX, conforme se pode verificar na Figura 1.

Figura 1 - Produção distrital de vinho (1882-1885)

Fonte: http://www.ruralportugal.ics.ul.pt/ (em breve disponível nas bases de dados)

Contudo, setenta anos mais tarde, como é visível na Figura 2, o panorama afigurava-se praticamente inalterado, com a produção vinícola alentejana a se pautar por um carácter ainda mais residual no contexto nacional do que no final da centúria de Oitocentos.

                                      Figura 2 - Produção distrital de vinho (1950-1954)

Fonte: Estatísticas Agrícolas (INE)

De facto, a agricultura portuguesa sofreu muitas alterações nas últimas décadas, muito para além da sua conhecida quebra no conjunto da atividade económica nacional. Foram vencidos alguns constrangimentos ecológicos, muito por força dos trabalhos de hidráulica agrícola, assim como a política económica para o setor alterou-se radicalmente à medida que a «lavoura», entre outros factores, se industrializou trazendo boas - especialização, aumento produtivo - e más consequências - perda de biodiversidade. 

Este tipo de questões só podem ser compreendidas à luz de uma visão de longa duração que, esperançosamente, o projeto Agriculture in Portugal: Food, Development and Sustainability (1870-2010) irá conceder.

Quanto ao caso do vinho alentejano, certamente há quem saiba os motivos da ausência tardia. Recordo-me de alguém me falar na proibição da plantação de vinhas no Alentejo, mas sinceramente ainda não sei responder com precisão. Se algum dos leitores souber, por favor deixe o seu contributo na caixa de comentários.

sábado, 13 de julho de 2013

Sistema de pesos e medidas do concelho dos Olivais

As pessoas mais velhas certamente sabem que o actual sistema métrico-decimal é relativamente recente pois, apesar de ter sido instituído legalmente em Dezembro de 1852, as anteriores terminologias permaneceram no vocabulário popular até meados do século XX. Assim, termos como alqueires, almudes, arrobas ou arratéis são ainda relativamente conhecidos no seio das populações mais idosas, embora muitos já não saibam ao que correspondem concretamente.


O que poucos sabem é da variedade de pesos e, sobretudo, da extraordinária diversidade regional de medidas que vigoraram desde a Idade Média até meados do século XIX, com origens diversas repartidas entre influências europeias, árabes e romanas. Esta heterogeneidade traduziu-se numa grande disparidade de medidas entre concelhos de uma mesma região e, inclusivamente, através de diferenças bastante significativas entre concelhos limítrofes. Facilmente se compreende como toda esta situação em muito prejudicava a actividade económica e o comércio, facto que desde cedo não escapou ao poder central.


Embora o assunto já tenha sido abordado nas cortes de Lisboa de 1455, foi com o advento do Estado Moderno, num período em que a Coroa procurou reforçar a sua autoridade, que se empreenderam os primeiros grandes esforços de normalização do sistema de pesos e medidas.


 No reinado de D. Manuel I (1495-1522), legislou-se nesse sentido, porém, estas medidas tiveram um alcance bastante limitado. A provar a ineficácia do esforço manuelino, ainda na mesma centúria, em 1575, D. Sebastião volta a insistir na necessidade de uma reforma, muito embora este monarca se centre apenas nas medidas de capacidade, mantendo o sistema de pesos inalterado. Sabemos que nesta última reforma foram enviados padrões para os principais centros urbanos, regulados pela medida de Lisboa, que entretanto fora adoptada como medida padrão para o conjunto do Reino.

Infelizmente também não será esta reforma que irá conseguir resolver toda esta problemática, como verificaram muito posteriormente os diversos membros da Comissão Encarregada de tratar da Reforma dos Pesos e Medidas, constituída já no início do século XIX. Como exemplo, podemos citar Sebastião Francisco Mendo de Trigoso, um dos mais proeminentes membros desta comissão e da Academia das Ciências de Lisboa (instituição que teve um papel essencial de liderança em todo este processo) que, acerca da implementação da reforma de 1575, é peremptório em afirmar: “ É constante que poucas foram as Câmaras que deram cumprimento à sábia lei d’esse Soberano.”

Figura 1 - Caixa de pesos e medidas

Após estas duas iniciativas infrutíferas, segue-se um longo hiato em que o assunto parece estar afastado da sociedade portuguesa, tendo sido apenas quebrado em 1804, após a publicação da “Tabella Comparativa dos Pesos e Medidas de Portugal com os Pesos e Medidas da França”. Esta, como o título indica, estabeleceu a comparação dos pesos e medidas nacionais com o sistema métrico decimal, originário de França e aí adoptado em plena Revolução Francesa, durante o ano de 1791. Não tardou muito que a introdução deste sistema em Portugal fosse amplamente defendida, desde logo, em 1812, pela Comissão Encarregada do Exame dos Forais e Melhoramento da Agricultura, que sugere, entre outras «providências úteis», o estabelecimento da “uniformidade dos Pesos e Medidas”.

Iniciava-se, desta forma, o processo de adopção definitiva do Sistema Métrico Decimal. Contudo, tratou-se de um processo que esteve muito longe de ter sido pacífico ou rápido e, inclusivamente, foi proposto, sem qualquer sucesso, um sistema misto que era em tudo semelhante ao mètre francês, mas que por razões políticas e de conveniência de aplicação mantinha a terminologia portuguesa, designada por “mão travessa”. Concretamente, as diferentes unidades “tradicionais” portuguesas passariam a ser equivalentes às suas congéneres do sistema métrico decimal. Assim, por exemplo, manter-se-ia a designação de canada alterando-se a sua capacidade e tornando-a equivalente à do litro; o mesmo aconteceria entre o arrátel e o quilograma, e assim sucessivamente.


Foi neste contexto que, em 1814, D. João VI manda executar no Arsenal do Exército trezentos conjuntos de padrões de peso e medidas de acordo com o novo sistema métrico decimal. No entanto, como é sabido, a primeira metade do século XIX português foi pautada por uma grande instabilidade política e, novamente, a aplicação de uma nova reforma metrológica foi adiada. Foi então que Constantino Lobo, Lente da Universidade de Coimbra, se queixa de um sistema que “causa grave detrimento ao Commercio, ou pela matéria, de que são feitos, ou pela pouca exactidão, que elles tem.”. O autor alertava para a facilidade com que se podiam falsificar pesos e medidas, sobretudo pelo facto de muitos serem feitos de madeira ou de metais que se oxidam com facilidade, tais como o latão ou o ferro.

Finalmente, em Dezembro de 1852, adoptou-se o Sistema Métrico Decimal tal e qual como o conhecemos hoje, tendo sido estipulado um prazo de dez anos para a sua entrada em vigor. A partir do primeiro de Janeiro de 1860 ficaram oficialmente abolidos todos os anteriores pesos e medidas; todavia, a sua utilização prolongou-se no tempo, mesmo apesar das multas a que estavam sujeitos todos aqueles que não cumprissem o novo decreto.


Figura 2 - Medidas do concelho dos Olivais
Fonte: Silveira (1868)
Como já referimos, muitos concelhos portugueses possuíam as suas próprias medidas, não constituindo o extinto concelho dos Olivais qualquer exceção. Assim, reproduzimos aqui as capacidades das medidas do concelho dos Olivais que, como podem verificar nos Quadros 1 e 2, era diferentes do vizinho concelho de Lisboa, quer nas medidas para líquidos, utilizadas para produtos como vinho, azeite e aguardente; quer nas medidas de sólidos, normalmente empregues para cereais e leguminosas, como trigo, centeio, milho, arroz ou feijão.
Quadro 1 - Capacidade, em litros, das medidas para líquidos dos concelhos dos Olivais e de Lisboa

Para a mente contemporânea é de difícil compreensão como dois concelhos limítrofes pudessem ter diferenças nos seus sistemas de pesos e medidas, com importantes implicações no quotidiano das populações. Todavia, foi assim no Antigo Regime e até meados do século XIX, não só nesta questão mas também noutras, como, por exemplo, o complicado direito de propriedade. E é com esta complexidade que quem pretende reconstituir o passado terá inevitavelmente que lidar.
Quadro 2 - Capacidade, em litros, das medidas para secos dos concelhos dos Olivais e de Lisboa


Para consultar os pesos e medidas de todos os concelhos de Portugal: 

SILVEIRA, Joaquim Fradesso da - Mappas das medidas do novo systema legal: comparadas com as antigas nos diversos concelhos do reino e ilhas. Lisboa, Imprensa Nacional, 1868.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Alguns dos usos e limites da Cliometria

Começo a publicar alguns dos trabalhos que realizei na componente letiva do meu doutoramento que, por sua vez, alguns foram publicados em Revistas especializadas em História. Hoje trago uma discussão que fiz sobre a Cliometria, tendo como ponto de partida um conhecido trabalho de Fernando Rosas. Deixo apenas dois pequenos trechos porque, caso estejam interessados, podem ler o artigo na íntegra aqui.


Alguns dos usos e limites da Cliometria

O uso de sofisticados métodos quantitativos de origem econométrica, assim como o recurso à teoria económica no estudo da história económica, a partir da década de 1960, levantaram um intenso
debate académico sobre as limitações que estas abordagens teriam à luz das particularidades do processo
histórico. Embora este debate tenha tendido para a sua «pacificação», na historiografia portuguesa perdurou
(e perdura?) até recentemente (Cardoso 2011, 488–494). Este trabalho parte precisamente de uma
publicação da autoria do historiador português Fernando Rosas, analisando somente as principais críticas
que este autor apresenta. Desta forma, muitos outros aspetos relacionados com a cliometria, e passíveis
de uma séria reflexão historiográfica, são intencionalmente ignorados. São os casos do recurso à
história contrafactual, do(s) método(s) como se constroem estatísticas retrospetivas e ainda da minuciosa
crítica de fontes a que devem ser sujeitas as estatísticas produzidas coevamente. Na realidade, o uso da
cliometria é um objeto de estudo que, do ponto de vista metodológico, pode ser perfeitamente tratado
através de uma exaustiva monografia, mesmo que limitado ao caso português, não obstante a modesta
disseminação da cliometria na historiografía económica nacional quando comparada com outros países.

(...)

Uma crítica à cliometria.

Ao estudar a economia e a política económica do Estado Novo, Fernando Rosas critica as abordagens de carácter cliométrico. Segundo este autor, partindo de modelos “(…) irredutíveis, quase sempre, a variáveis quantificáveis, à causalidade ou a abordagens monocausais (…)” (Rosas 2000, 15), fruto da aplicação à história da teoria económica neoclássica, a «nova história económica» reduziu-se à simplificação das explicações “(…) de tipo monocausal e reducionista (…)” (Rosas 2000, 14), ignorando outro tipo de raciocínios e explicações fundamentados na análise de outros géneros de fontes não mensuráveis, nomeadamente, neste caso específico, de carácter político. Por outro lado, os trabalhos cliométricos reproduzem as limitações inerentes aos “(…) pressupostos ideológicos de equilíbrio daquela escola económica [neoclássica] (…)” (Rosas 2000, 15). Adicionalmente, a transposição de conceitos e modelos económicos formulados contemporaneamente para o passado trouxe a este tipo de estudos o pior dos pecados do historiador, o anacronismo. Este autor, embora de forma pouco expressiva, acaba ainda por estender o seu ceticismo às “(…) realidades económicas dos séculos passados (…)” (Rosas 2000, 15), depreendendo-se que as suas críticas não se aplicam somente à análise cliométrica da economia portuguesa durante o Estado Novo.
As críticas apontadas têm, evidentemente, legítimas preocupações historiográficas, pelo que algumas também têm sido notadas por outros autores, quer cronologicamente a jusante (Ramos 1988), quer a montante (Tosh e Lang 2009). Estas refletem, na minha opinião, alguns dos limites e riscos da cliometria sem que, no entanto, se possam aplicar sistematicamente ao trabalho cliométrico, sobretudo tendo em conta as alterações metodológicas que este tem sofrido desde meados da década de 1980 (Greif 1997), através do reforço da contextualização histórica, da diversificação das teorias económicas de onde partem os modelos teóricos com que são construídas as hipóteses, e da adaptação destas a um determinado contexto histórico.

domingo, 7 de julho de 2013

Livro do Município, Memória Viva (Ponte de Sor)




Amanhã, pelas 19h00, no auditório do Centro de Artes e Cultura de Ponte de Sor será lançado o livro intitulado "Livro do Município, Memória Viva". Tivemos (eu e a Ana Isabel) o enorme prazer de participar nesta obra que resultou de uma parceria entre a Associação Nova Cultura, a Staurós e a Câmara Municipal de Ponte de Sor. A mesma, embora não se trate de um livro de História, reúne diversos documentos históricos, essencialmente fotografias, que retratam os principais aspetos da vida no concelho de Ponte de Sor, nos últimos cento e cinquenta anos.

É com enorme prazer que estarei presente.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Arquivo Histórico Municipal de Ponte de Sor | Documentos do mês | julho/agosto 2013 | 28.º Aniversário da elevação de Ponte de Sor a cidade (8 julho 1985)


Nos meses de julho e agosto, o "Documento do mês" associa-se à comemoração do aniversário da elevação de Ponte de Sor a cidade, concretizada pela Lei n.º 35/85, de 14 de agosto, aprovada no dia 8 de julho de 1985. O principal documento exposto é o processo que deu origem a essa alteração de categoria, enviado pela Assembleia da República ao Município de Ponte de Sor em setembro do referido ano e atualmente conservado no Arquivo Histórico Municipal. Do processo consta, entre outros documentos, cópia do Projeto de Lei N.º 222/III, para a «Elevação da vila de Ponte de Sor à categoria de cidade», datado de 18 de outubro de 1983 e da autoria de cinco deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista. Considerava-se então ser tal mudança «imperativo local bem justificado, não só pelo já antigo anseio local expresso nesse sentido, mas também pelas caraterísticas de dinamismo e de trabalho que tornam esta localidade importante centro económico na região». Na verdade, eram sobretudo de caráter económico as razões apontadas em defesa da subida de categoria, destacando-se a «excelente localização da vila», que a tornou «um centro de primeira importância nesta região, não só por ser local de passagem obrigatória para os que se deslocam no sentido Lisboa-Beira Baixa, mas também por ser um importante centro corticeiro, cerealífero e produtor de azeite». Eram igualmente referidas as diversas indústrias existentes na localidade, inclusivamente a turística, para a qual se previa então um grande desenvolvimento, potenciado pela Barragem de Montargil, bem como o papel comercial da vila, que ainda se aferia pelo impacto da Feira de Outubro, considerada «uma daquelas onde se faz maior volume de transações no Alentejo».

Recuando mais de 550 anos, associamos ao citado processo uma carta régia de D. João I, passada em 1428, na qual Ponte de Sor, até então referida em documentos emanados da Coroa como «pobra» ou póvoa (povoação), é pela primeira vez mencionada como «vila». Na sequência dos incentivos régios ao povoamento desta localidade, que começaram com uma carta de privilégios aos moradores outorgada por D. Dinis em 1310, e face à preocupação com a partida de alguns habitantes, que abandonavam casas e propriedades, D. João II reafirmava as concessões feitas pelos reis seus antepassados a quem se fixasse em Ponte de Sor, concedendo ainda novos privilégios. Os monarcas seguintes (D. Duarte e D. Afonso V) insistiriam na atribuição de benesses aos moradores desta terra reguenga, até à outorga do Foral Manuelino (1514).

Documento 1
1428 dezembro 1, Lisboa  – Carta régia de D. João I, em resposta ao pedido de João Lourenço, Vicente Carvalho (juiz), Afonso Esteves (procurador), Afonso Lopes (tabelião) e outros vizinhos e moradores de Ponte de Sor, pela qual confirmava os privilégios e liberdades concedidos pelos seus antepassados à Vila e isentava os seus moradores e os que aí tivessem vendas e estalagens do serviço militar (servir «per mar nem per terra») e do pagamento de diversos impostos lançados pela Coroa ou pelos concelhos (peitas, fintas e talhas). Para além disso, devido à partida de alguns moradores, que abandonavam casas e propriedades, mandava que quem tivesse bens no dito lugar os habitasse, ou seriam entregues a outras pessoas que os «vaão morar e pobrar». ANTT, Leitura Nova, lv. 6 Guadiana, fls. 232-232v. Reprodução de microfilme (MF 994).

Documento 2
1985 setembro 17, Lisboa – Ofício do Gabinete da Presidência da Assembleia da República dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de Ponte de Sor, remetendo «as peças componentes do Processo que deu origem à elevação de Ponte de Sor à categoria de cidade». Trata-se de um conjunto de documentos (na maioria, fotocópias dos originais) reunidos e encadernados em capa própria, entre os quais o Projeto de Lei n.º 222/III, que deu entrada na Assembleia da República no dia 18 de outubro de 1983; exemplares do Diário da Assembleia da República de 26 de junho de 1985, data em que foi apresentado o relatório da Comissão de Administração Interna e Poder Local sobre o Projeto de Lei, e de 9 de julho do mesmo ano, em que este foi aprovado. AHMPS, Assembleia da República. Diploma legal. Autarquia.