quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Biblioteca do Arquivo Municipal de Ponte de Sor (séculos XIX-XX)


No mês de Dezembro, os "Documentos do mês" do Arquivo Municipal de Ponte de Sor são de caráter biblioteconómico e pertencem à Biblioteca do Arquivo. Esta é constituída por um conjunto de monografias e publicações periódicas datadas de meados do século XIX ao terceiro quartel do século XX, pertencentes à Câmara Municipal de Ponte de Sor e que estiveram durante os últimos anos armazenadas num dos pavilhões da Antiga Fábrica de Moagem de Cereais e Descasque de Arroz de Ponte de Sor. Estes documentos têm vindo a ser tratados desde Janeiro de 2011, começando por ser selecionados e transportados para o edifício do Centro de Artes e Cultura. Passaram então por um processo de limpeza e primeira identificação, sendo agrupados por grupos temáticos de largo espectro. De seguida, tiveram início a inventariação definitiva e a catalogação das espécies, para o que foi elaborada uma base de dados, usando o software Microsoft Access 2010 e contemplando os seguintes campos de descrição: número de registo; autor; título; local de edição; editor; data de edição; ano, número, data (para publicações periódicas); coleção; termos de indexação; cota (usando a Classificação Decimal Universal); e notas. Esta base de dados permite a realização de pesquisa por autor, título, termos de indexação e cota.

Presentemente, está já catalogada parte significativa da coleção, tendo sido inseridas na base de dados cerca de 860 obras. Trata-se sobretudo de publicações oficiais recebidas pelo Município de Ponte de Sor, desde meados do século XIX até à década de 1970, incidindo sobre diversos sectores da vida pública nacional, com os seus reflexos a nível regional e local, como as atividades económicas, o ensino, a saúde pública ou as instituições político-administrativas.

Considerou-se pertinente associar esta coleção ao Arquivo Municipal, tendo em conta o caráter de fonte histórica impressa da maioria dos seus itens, podendo assim assumir-se como precioso instrumento de apoio à investigação histórica, de âmbito local, regional e nacional. Pretende-se que a Biblioteca do Arquivo seja disponibilizada para consulta ao público, estando prevista, para os próximos meses, uma sessão de apresentação pública do respetivo catálogo informático. Para já, apresentamos três exemplares da coleção, classificados numa área designada “Fundo Local”, destinada a publicações diretamente relacionadas com o concelho de Ponte de Sor ou com a região em que se insere.

Documento 1
GRÉMIO dos Industriais Descascadores de Arroz – Grémio dos Industriais Descascadores de Arroz: Decreto-lei n.º 24.517: relatório e contas do exercício de 1935: aprovados pelo Conselho Geral na sua reunião de 19 de Fevereiro de 1936. Lisboa: Oficina Gráfica Limitada, 1936. Inclui referência à Sociedade Industrial, Lda.ª, proprietária da Antiga Fábrica de Moagem de Cereais e Descasque de Arroz de Ponte de Sor (atual edifício do Centro de Artes e Cultura) e membro do Grémio dos Industriais Descascadores de Arroz (categoria de “Industriais Descascadores”).

Documento 2
MURALHA, Pedro (dir.) – Ponte do Sôr: separata do Álbum Alentejano. Ponte de Sor: Câmara Municipal, [1930s]. O Álbum Alentejano consistiu numa publicação em três volumes que pretendia caracterizar, por concelhos, as regiões de Beja, Évora e Portalegre, difundindo «tudo quanto o Alentejo encerra em força de trabalho agrícola, industrial e mineiro». Os artigos são da autoria de diversos autores, dirigidos por Pedro Muralha, e abarcam temas variados, da economia, agricultura e indústria, à história, administração autárquica, tradições, cultura e literatura. As páginas relativas ao concelho de Ponte de Sor, também publicadas sob a forma de separata, incluem artigos de Primo Pedro da Conceição (texto base da obra Cinzas do Passado, editada décadas mais tarde) e Garibaldino de Andrade, entre outros.

Documento 3
CONSELHO de Agricultura Distrital de Portalegre Annes agricolas do Districto de Portalegre: publicados pelo Conselho d'Agricultura Districtal: 1885 (setimo anno). Portalegre: Typ. de F. C. Sanches, 1886. A criação dos conselhos de agricultura distritais foi estipulada pelo “Regulamento da agricultura districtal” (Decreto de 28 Fev. 1877). Destinavam-se a promover «o progressivo melhoramento das condições agricolas do seu respectivo districto» e uma das suas atribuições consistia na publicação anual dos chamados «annaes agricolas», que incluíam uma série de informações sobre o estado da agricultura na região em causa (como os trabalhos do Conselho de Agricultura, os relatórios de exposições e congressos agrícolas, os programas de cursos de agricultura e zootecnia, a estatística agrícola e pecuária, os preços correntes de produtos deste setor, etc.).

Um pontessorense na comissão da Junta Nacional de Cortiça

Hoje não me vou alongar sobre o papel da Junta Nacional de Cortiça, que tem sido reconhecido* como fundamental para a ascensão de Portugal ao lugar de primeira potência mundial do setor, nem tão pouco sobre a agitação social que grassou na Primavera de 1948 no setor industrial corticeiro, sobretudo na então vila do Barreiro e na cidade de Silves. Simplesmente, porque é a "terra" da minha esposa, quero deixar uma curiosidade.


Na sequência desta mesma agitação foi nomeada, em 1949, uma nova comissão administrativa para a Junta Nacional de Cortiça. Entre os seus membros constava José Pires dos Santos, Presidente da Casa do Povo de Ponte de Sor. Ora, se algum dos pontessorenses que costumam ler este espaço quiserem acrescentar algo ao assunto, podem fazê-lo na caixa de comentários.


* Em trabalhos como:

Parejo Moruno, Francisco. 2010. El negocio del corcho en España durante el siglo XX. Madrid: Banco de España.

Pereda García, Ignacio, e Euronatura. 2009. Junta Nacional da Cortiça (1936-1972). Euronatura 2. Lisboa: Euronatura.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Prices, Wages and Rents in Portugal

Como resultado do primeiro projeto de investigação em que trabalhei (e no qual continuo a colaborar como podem verificar no menu "Research Team"), estão agora disponíveis um conjunto extraordinário de preços dos principais bens de consumo e de salários de diversos tipos de trabalhadores, desde o século XVI ao século XIX, para as cidades de Lisboa, Porto e Coimbra.

É de utilização livre desde que, como é natural, se cite a fonte. Entre as inúmeras utilizações que uma base de dados deste tipo permite ao historiador económico, a mais óbvia é o cálculo aproximado dos respetivos níveis de vida.

Foi precisamente o que fiz num artigo aceite para publicação na Revista de História da Sociedade e da Cultura da Universidade de Coimbra, no volume de 2012, intitulado "O preço da crise: níveis de vida no Portugal seiscentista."


Fica então aqui o link:

http://pwr.dev.simplicidade.com/000000/1/index.htm





quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Concelhos com maior produção de cortiça (1941)

Como já aqui fiz notar várias vezes um dos aspectos que quero abordar na minha tese é a identificação das principais características da exploração florestal da cortiça, tendo como base os contratos de arrendamento de cortiça que se celebraram intensamente no Alentejo. Concretamente pretendo analisar a duração dos contratos, compreendendo se estes de adaptaram à natureza do ciclo produtivo; determinar quais as zonas industriais que, ao longo do período considerado, foram sendo abastecidas pela cortiça alentejana; e, por último, determinar se as grandes indústrias corticeiras conseguiram implementar uma estratégia operacional que passaria pela integração vertical, adquirindo cortiça junto do produtor como, por exemplo, parece ser o caso de George Robinson (FONSECA, 1996, p. 69) ou se, por outro lado, convergiam sobre a exploração da cortiça diferentes interesses antagónicos – de produtores, comerciantes e industriais -, perante a ausência de integração vertical, como foi assinalado para o século XX, em Portugal (BRANCO, 2005, p. 165-166).

No entanto, há um grande problema de natureza prática que é tão simples como isto: é impossível eu analisar todos os fundos dos Cartórios Notariais para cada concelho da Região Histórica do Alentejo entre 1850 e 1914! Assim, tenho que fazer uma selecção cujos critérios ainda não defini. Uma das hipóteses que estou a ponderar é escolher, entre os concelhos alentejanos, aqueles com maior produção de cortiça, pois seriam os mais representativos. Infelizmente o ano mais recuado para o qual encontrei dados com a produção de cortiça concelhia é 1941. Ainda assim, creio ser um bom indicador visto que as condições ecológicas e climáticas para a disseminação do sobreiro não se alteraram significativamente até há bem pouco tempo e, por outro lado, como para obter cortiça Amadia são necessários, pelo menos, 40 anos, se subtrair esses 40 anos estarei já dentro do meu período cronológico. Aguardo críticas a esta escolha de método e entretanto publico aqui os resultados que coligi agora mesmo.

Produção de Cortiça em 1941
Concelho Distrito Região Histórica Produção (t)
1 Montemor-o-Novo Évora Alentejo 22538
2 Santiago do Cacém Setúbal Alentejo 21938
3 Coruche Santarém Ribatejo 21252
4 Odemira Beja Alentejo 13850
5 Ponte de Sor Portalegre Alentejo 11711
6 Mora Évora Alentejo 10150
7 Grândola Setúbal Alentejo 9629
8 Avis Portalegre Alentejo 8337
9 Alcácer do Sal Setúbal Alentejo 8104
10 Chamusca Santarém Ribatejo 8080

Fonte: 
Estatística Agrícola 1946. Lisboa, INE: 1947

 

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Epidemias e medidas sanitárias na região de Ponte de Sor (século XIX)


No mês de Novembro, os "Documentos do mês" do Arquivo Municipal de Ponte de Sor estão relacionados com um tema de saúde pública que, sendo de âmbito internacional, teve também os seus reflexos a nível local, o das epidemias que afetaram a população e das medidas sanitárias adotadas pelas autoridades para as combater, no século XIX. Embora a documentação do Arquivo Municipal dê igualmente conta da preocupação com doenças como a varíola (as chamadas bexigas) e sobretudo a malária (ou febres intermitentes), associada à cultura do arroz no concelho de Ponte de Sor, as epidemias de maior impacto no período considerado e as que geraram maior troca de correspondência entre as autoridades locais, regionais (Governo Civil) e nacionais (Ministério do Reino e Conselho de Saúde Pública) foram as de cólera. De facto, se o século XIX foi o tempo das grandes pandemias, a cólera foi particularmente agressiva e devastadora, causando enormes taxas de mortalidade. Trata-se de uma gastroenterite infeciosa causada pela bactéria Vibrio cholerae e transmite-se pela ingestão de água ou alimentos contaminados; os principais sintomas são diarreia aguda seguida de severa desidratação. A cólera era originalmente endémica no subcontinente indiano e espalhou-se através das rotas comerciais até à Rússia, depois Europa Ocidental e daí até à América do Norte. Chegou à Europa em 1829 e em 1832 ocorreu a primeira grande epidemia, que afetou Londres e Paris terrivelmente, tendo também chegado a Portugal, onde fez mais de 40.000 vítimas. Daí em diante houve mais oito epidemias de cólera no País, sendo a doença espalhada por certas profissões de alto risco (soldados, marinheiros, mercadores, mendigos) e os seus efeitos potenciados pela falta de higiene nas casas e nas ruas, o uso de água imprópria, a concentração de pacientes em espaços pequenos nos hospitais, alimentos de má qualidade. São de destacar os surtos de 1853-56 e 1865, sendo que neste último a cólera entrou em Portugal, vinda de Espanha, pela fronteira de Elvas.

Um dos maiores contributos no combate à cólera foi a descoberta feito pelo médico britânico John Snow, que em 1854 encontrou a ligação entre a doença e água bebível contaminada e a consequente necessidade de água limpa e tratamento dos esgotos. Porém, em Portugal, em 1865, ainda não havia clara noção das verdadeiras causas da epidemia, como se deduz das recomendações das autoridades sanitárias para a prevenção do contágio e para os tratamentos a aplicar.
 

Documento 1
Lisboa, Janeiro de 1854 – «Instrucções populares contra a cholera morbus mandadas publicar pelo Conselho de Saude Publica do Reino». As primeiras 14 instruções destinavam-se à prevenção do contágio, refletindo o desconhecimento, por parte das autoridades sanitárias, das verdadeiras causas da cólera, ou seja, a ingestão de água ou alimentos contaminados. A 15.º consistia na indicação dos primeiros sintomas e das medidas a adotar depois do aparecimento da doença, sobretudo as mais urgentes, enquanto se aguardava a chegada do médico. AMPS, Correspondência recebida, 1865 Saude Publica.

Documento 2
Lisboa, 28 de Julho de 1865 – Cópia das instruções dadas pelo Conselho de Saúde Pública do Reino ao Inspetor do Distrito Sanitário Oriental de Lisboa, contendo as «providencias hygienicas e preventivas» a tomar de imediato para evitar que a epidemia de cólera morbus, então já saída de Alexandria para os outros portos do Mediterrâneo, atacasse a capital. Estas diretrizes foram depois distribuídas pelos governadores civis do País, que deviam, por sua vez, comunicá-las aos respetivos administradores dos concelhos. Assim, chegaram às mãos do de Ponte de Sor, por ofício do Governador Civil de Portalegre de 8 de Agosto, recomendando este a exata observância das instruções e informando que o Rei mandava responsabilizar os funcionários administrativos que se mostrassem negligentes em «assumpto de tão transcendente importancia». Tratava-se sobretudo de medidas de caráter policial, incidindo sobre a fiscalização de lugares públicos de hospedagem e venda de bebidas, alimentos ou medicamentos. AMPS, Idem.

Documento 3
Portalegre, 11 de Novembro de 1865 – Edital do Governo Civil de Portalegre, proibindo a realização da feira que habitualmente se realizava em Dezembro, na vila de Chancelaria, concelho vizinho de Alter do Chão, «abem da salubridade publica». Tratava-se de uma medida preventiva contra a epidemia de cólera que invadira várias povoações espanholas da raia e também já a cidade de Elvas, pois acreditava-se que a concentração de pessoas favorecia a transmissão da doença. O Governo Civil enviou vários exemplares deste edital aos administradores dos concelhos do Distrito de Portalegre, entre os quais o de Ponte de Sor, ordenando que o afixassem em lugares públicos, para difundir a notícia. AMPS, Idem.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Litoralização da Península Ibérica

Nas últimas décadas começou-se a discutir a desertificação do interior português, tendo-se apostado, com pouco sucesso, em planos mais ou menos excêntricos para a fixação de populações no interior. Claro que o principal motivo para a quebra relativa (e desde há 40 anos absoluta) da população do interior é a ausência de uma economia que crie emprego. 

No entanto, parece que este processo tem raízes históricas muito mais recuadas, tendo apenas intensificado-se nos últimos vinte anos. Estou "obrigado" (e diga-se bem obrigado) a ler quatro artigos que tratam esta temática, dois deles com um âmbito nacional e os outros dois com um âmbito ibérico. Ainda só dei uma primeira vista de olhos a três, mas parece que as conclusões são semelhantes: tratou-se de um processo ibérico para o qual o desenvolvimento dos transportes contribuiu bastante, o que não deixa de ser irónico quando em Portugal se apostou na construção de auto-estradas como eixos de desenvolvimento económico das regiões mais desertificadas. Claro que o problema é bastante mais complexo pelo que agora deixo apenas estes números na esperança de em Dezembro publicar aqui parte das minhas conclusões.

Percentagem do PIB regional no PIB português
Distrito 1890 1910 1930 1950 1970 1991 2008
Faro 3,5% 3,7% 3,5% 3,0% 2,1% 3,7% 4,3%
Lisboa 16,6% 19,40% 23,3% 27,7% 35,0% 34,10% 33,7%
Portalegre 2,3% 2,20% 2,2% 2,6% 1,3% 1,0% 1,0%



P.S. - Selecionei apenas os distritos com os quais tenho alguma ligação. O restante conteúdo da tabela com todo o território nacional e com mais observações pode ser encontrado aqui: 

Tirado, Daniel, e Marc Badia-Miró. 2012. Economic integration and regional inequality in Iberia (1900-2000) : a geographical approach. Working Papers in Economic History. Universidad Carlos III, Departamento de Historia Económica e Instituciones.

sábado, 3 de novembro de 2012

Evolução da desigualdade de rendimento segundo Kuznets (1955)




Em 1955, Simon Kuznets, galarduado com o Prémio Nobel da Economia em 1971, formulou uma hipótese na qual, durante a industrialização, ocorreu um processo de crescimento da desigualdade de rendimento. Contudo, a partir do início do século XX, dar-se-ia o fenómeno inverso, com um nivelamento da distribuição do rendimento até aos anos 1970. 

Os historiadores económicos têm vindo a testar constantemente esta hipótese, mas os resultados têm sido divergentes. Assim, por exemplo, os trabalhos de Lindert e Williamson sobre os Estados Unidos e Reino Unido vieram reforçar esta hipótese, porém, alguns estudos que foram feitos em países como a Dinamarca ou a Suécia, têm vindo a por em causa a existência de um agravamento da desigualdade de rendimento durante o século XIX, enquanto confirmam a sua atenuação durante o século XX. Ou seja, enquanto a queda da curva de Kuznets para ser consensual, o agravamento da desigualdade está ainda em discussão.

Será que a desigualdade de rendimento pré-industrial, em Portugal, seria relativamente baixa como sugere a "curva de Kuznets" e como Van Zanden determinou para a Holanda? Os países atualmente desenvolvidos adquiriram as suas desigualdades apenas após a Revolução Industrial, ou é algo que já vinha de há muito tempo? 

São estas e outras perguntas que procuraremos responder no próximo dia 9 de Novembro, em Lisboa, no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, como poderão verificar aqui: