No mês de Novembro, os "Documentos do mês" do Arquivo Municipal de Ponte de Sor estão relacionados com um tema de saúde pública que, sendo de âmbito internacional, teve também os seus reflexos a nível local, o das epidemias que afetaram a população e das medidas sanitárias adotadas pelas autoridades para as combater, no século XIX. Embora a documentação do Arquivo Municipal dê igualmente conta da preocupação com doenças como a varíola (as chamadas bexigas) e sobretudo a malária (ou febres intermitentes), associada à cultura do arroz no concelho de Ponte de Sor, as epidemias de maior impacto no período considerado e as que geraram maior troca de correspondência entre as autoridades locais, regionais (Governo Civil) e nacionais (Ministério do Reino e Conselho de Saúde Pública) foram as de cólera. De facto, se o século XIX foi o tempo das grandes pandemias, a cólera foi particularmente agressiva e devastadora, causando enormes taxas de mortalidade. Trata-se de uma gastroenterite infeciosa causada pela bactéria Vibrio cholerae e transmite-se pela ingestão de água ou alimentos contaminados; os principais sintomas são diarreia aguda seguida de severa desidratação. A cólera era originalmente endémica no subcontinente indiano e espalhou-se através das rotas comerciais até à Rússia, depois Europa Ocidental e daí até à América do Norte. Chegou à Europa em 1829 e em 1832 ocorreu a primeira grande epidemia, que afetou Londres e Paris terrivelmente, tendo também chegado a Portugal, onde fez mais de 40.000 vítimas. Daí em diante houve mais oito epidemias de cólera no País, sendo a doença espalhada por certas profissões de alto risco (soldados, marinheiros, mercadores, mendigos) e os seus efeitos potenciados pela falta de higiene nas casas e nas ruas, o uso de água imprópria, a concentração de pacientes em espaços pequenos nos hospitais, alimentos de má qualidade. São de destacar os surtos de 1853-56 e 1865, sendo que neste último a cólera entrou em Portugal, vinda de Espanha, pela fronteira de Elvas.
Um dos maiores contributos no combate à cólera foi a descoberta feito pelo médico britânico John Snow, que em 1854 encontrou a ligação entre a doença e água bebível contaminada e a consequente necessidade de água limpa e tratamento dos esgotos. Porém, em Portugal, em 1865, ainda não havia clara noção das verdadeiras causas da epidemia, como se deduz das recomendações das autoridades sanitárias para a prevenção do contágio e para os tratamentos a aplicar.
Documento 1
Lisboa, Janeiro de 1854 – «Instrucções populares contra a cholera morbus mandadas publicar pelo Conselho de Saude Publica do Reino». As primeiras 14 instruções destinavam-se à prevenção do contágio, refletindo o desconhecimento, por parte das autoridades sanitárias, das verdadeiras causas da cólera, ou seja, a ingestão de água ou alimentos contaminados. A 15.º consistia na indicação dos primeiros sintomas e das medidas a adotar depois do aparecimento da doença, sobretudo as mais urgentes, enquanto se aguardava a chegada do médico. AMPS, Correspondência recebida, 1865 Saude Publica.
Documento 2
Lisboa, 28 de Julho de 1865 – Cópia das instruções dadas pelo Conselho de Saúde Pública do Reino ao Inspetor do Distrito Sanitário Oriental de Lisboa, contendo as «providencias hygienicas e preventivas» a tomar de imediato para evitar que a epidemia de cólera morbus, então já saída de Alexandria para os outros portos do Mediterrâneo, atacasse a capital. Estas diretrizes foram depois distribuídas pelos governadores civis do País, que deviam, por sua vez, comunicá-las aos respetivos administradores dos concelhos. Assim, chegaram às mãos do de Ponte de Sor, por ofício do Governador Civil de Portalegre de 8 de Agosto, recomendando este a exata observância das instruções e informando que o Rei mandava responsabilizar os funcionários administrativos que se mostrassem negligentes em «assumpto de tão transcendente importancia». Tratava-se sobretudo de medidas de caráter policial, incidindo sobre a fiscalização de lugares públicos de hospedagem e venda de bebidas, alimentos ou medicamentos. AMPS, Idem.
Documento 3
Portalegre, 11 de Novembro de 1865 – Edital do Governo Civil de Portalegre, proibindo a realização da feira que habitualmente se realizava em Dezembro, na vila de Chancelaria, concelho vizinho de Alter do Chão, «abem da salubridade publica». Tratava-se de uma medida preventiva contra a epidemia de cólera que invadira várias povoações espanholas da raia e também já a cidade de Elvas, pois acreditava-se que a concentração de pessoas favorecia a transmissão da doença. O Governo Civil enviou vários exemplares deste edital aos administradores dos concelhos do Distrito de Portalegre, entre os quais o de Ponte de Sor, ordenando que o afixassem em lugares públicos, para difundir a notícia. AMPS, Idem.
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