As pessoas mais velhas certamente sabem que o actual sistema métrico-decimal é relativamente recente pois, apesar de ter sido instituído legalmente em Dezembro de 1852, as anteriores terminologias permaneceram no vocabulário popular até meados do século XX. Assim, termos como alqueires, almudes, arrobas ou arratéis são ainda relativamente conhecidos no seio das populações mais idosas, embora muitos já não saibam ao que correspondem concretamente.
O que poucos sabem é da variedade de pesos e, sobretudo, da extraordinária diversidade regional de medidas que vigoraram desde a Idade Média até meados do século XIX, com origens diversas repartidas entre influências europeias, árabes e romanas. Esta heterogeneidade traduziu-se numa grande disparidade de medidas entre concelhos de uma mesma região e, inclusivamente, através de diferenças bastante significativas entre concelhos limítrofes. Facilmente se compreende como toda esta situação em muito prejudicava a actividade económica e o comércio, facto que desde cedo não escapou ao poder central.
Embora o assunto já tenha sido abordado nas cortes de Lisboa de 1455, foi com o advento do Estado Moderno, num período em que a Coroa procurou reforçar a sua autoridade, que se empreenderam os primeiros grandes esforços de normalização do sistema de pesos e medidas.
No reinado de D. Manuel I (1495-1522), legislou-se nesse sentido, porém, estas medidas tiveram um alcance bastante limitado. A provar a ineficácia do esforço manuelino, ainda na mesma centúria, em 1575, D. Sebastião volta a insistir na necessidade de uma reforma, muito embora este monarca se centre apenas nas medidas de capacidade, mantendo o sistema de pesos inalterado. Sabemos que nesta última reforma foram enviados padrões para os principais centros urbanos, regulados pela medida de Lisboa, que entretanto fora adoptada como medida padrão para o conjunto do Reino.
Infelizmente também não será esta reforma que irá conseguir resolver toda esta problemática, como verificaram muito posteriormente os diversos membros da Comissão Encarregada de tratar da Reforma dos Pesos e Medidas, constituída já no início do século XIX. Como exemplo, podemos citar Sebastião Francisco Mendo de Trigoso, um dos mais proeminentes membros desta comissão e da Academia das Ciências de Lisboa (instituição que teve um papel essencial de liderança em todo este processo) que, acerca da implementação da reforma de 1575, é peremptório em afirmar: “ É constante que poucas foram as Câmaras que deram cumprimento à sábia lei d’esse Soberano.”
Figura 1 - Caixa de pesos e medidas
Após estas duas iniciativas infrutíferas, segue-se um longo hiato em que o assunto parece estar afastado da sociedade portuguesa, tendo sido apenas quebrado em 1804, após a publicação da “Tabella Comparativa dos Pesos e Medidas de Portugal com os Pesos e Medidas da França”. Esta, como o título indica, estabeleceu a comparação dos pesos e medidas nacionais com o sistema métrico decimal, originário de França e aí adoptado em plena Revolução Francesa, durante o ano de 1791. Não tardou muito que a introdução deste sistema em Portugal fosse amplamente defendida, desde logo, em 1812, pela Comissão Encarregada do Exame dos Forais e Melhoramento da Agricultura, que sugere, entre outras «providências úteis», o estabelecimento da “uniformidade dos Pesos e Medidas”.
Iniciava-se, desta forma, o processo de adopção definitiva do Sistema Métrico Decimal. Contudo, tratou-se de um processo que esteve muito longe de ter sido pacífico ou rápido e, inclusivamente, foi proposto, sem qualquer sucesso, um sistema misto que era em tudo semelhante ao mètre francês, mas que por razões políticas e de conveniência de aplicação mantinha a terminologia portuguesa, designada por “mão travessa”. Concretamente, as diferentes unidades “tradicionais” portuguesas passariam a ser equivalentes às suas congéneres do sistema métrico decimal. Assim, por exemplo, manter-se-ia a designação de canada alterando-se a sua capacidade e tornando-a equivalente à do litro; o mesmo aconteceria entre o arrátel e o quilograma, e assim sucessivamente.
Foi neste contexto que, em 1814, D. João VI manda executar no Arsenal do Exército trezentos conjuntos de padrões de peso e medidas de acordo com o novo sistema métrico decimal. No entanto, como é sabido, a primeira metade do século XIX português foi pautada por uma grande instabilidade política e, novamente, a aplicação de uma nova reforma metrológica foi adiada. Foi então que Constantino Lobo, Lente da Universidade de Coimbra, se queixa de um sistema que “causa grave detrimento ao Commercio, ou pela matéria, de que são feitos, ou pela pouca exactidão, que elles tem.”. O autor alertava para a facilidade com que se podiam falsificar pesos e medidas, sobretudo pelo facto de muitos serem feitos de madeira ou de metais que se oxidam com facilidade, tais como o latão ou o ferro.
Finalmente, em Dezembro de 1852, adoptou-se o Sistema Métrico Decimal tal e qual como o conhecemos hoje, tendo sido estipulado um prazo de dez anos para a sua entrada em vigor. A partir do primeiro de Janeiro de 1860 ficaram oficialmente abolidos todos os anteriores pesos e medidas; todavia, a sua utilização prolongou-se no tempo, mesmo apesar das multas a que estavam sujeitos todos aqueles que não cumprissem o novo decreto.
Figura 2 - Medidas do concelho dos Olivais
Fonte: Silveira (1868)
Como já referimos, muitos concelhos portugueses possuíam as suas próprias medidas, não constituindo o extinto concelho dos Olivais qualquer exceção. Assim, reproduzimos aqui as capacidades das medidas do concelho dos Olivais que, como podem verificar nos Quadros 1 e 2, era diferentes do vizinho concelho de Lisboa, quer nas medidas para líquidos, utilizadas para produtos como vinho, azeite e aguardente; quer nas medidas de sólidos, normalmente empregues para cereais e leguminosas, como trigo, centeio, milho, arroz ou feijão.
Quadro 1 - Capacidade, em litros, das medidas para líquidos dos concelhos dos Olivais e de Lisboa
Para a mente contemporânea é de difícil compreensão como dois concelhos limítrofes pudessem ter diferenças nos seus sistemas de pesos e medidas, com importantes implicações no quotidiano das populações. Todavia, foi assim no Antigo Regime e até meados do século XIX, não só nesta questão mas também noutras, como, por exemplo, o complicado direito de propriedade. E é com esta complexidade que quem pretende reconstituir o passado terá inevitavelmente que lidar.
Quadro 2 - Capacidade, em litros, das medidas para secos dos concelhos dos Olivais e de Lisboa
Para consultar os pesos e medidas de todos os concelhos de Portugal:
SILVEIRA, Joaquim Fradesso da - Mappas das medidas do novo systema legal: comparadas com as antigas nos diversos concelhos do reino e ilhas. Lisboa, Imprensa Nacional, 1868.
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