quinta-feira, 19 de julho de 2012

Medicina e farmácia: assistência na doença em Ponte de Sor (séc. XIX-XX)



A segunda iniciativa do ciclo “Encontros com a História” consistiu numa conferência dedicada ao tema “Medicina e farmácia: assistência na doença em Ponte de Sor (séculos XIX-XX)”, que realizámos no Centro de Artes e Cultura de Ponte de Sor, no dia 13 de Julho. Centrámo-nos no período da Monarquia Constitucional (1834-1910) e na ação estatal, mais propriamente municipal, nesta matéria, deixando de lado a assistência praticada por instituições privadas, com destaque para as Misericórdias e os seus hospitais.

No domínio da saúde, o Estado liberal interveio diretamente gerindo vários hospitais, incluindo os de Lisboa, Coimbra e Caldas das Rainha, bem como, em todo o reino, os partidos ou cargos municipais de medicina, farmácia e obstetrícia. A criação destes partidos, mediante a abertura de concursos públicos, era uma das competências dos municípios fixadas nos diversos Códigos Administrativos, desde 1842. Foram definidas em articulado próprio as obrigações dos médicos de partido, com destaque para a de curar gratuitamente os pobres, os expostos (ver imagem, bilhete assinado pelo facultativo ou médico municipal, António Baptista), as crianças desvalidas e abandonadas e os presos. Quanto aos partidos farmacêuticos, só eram criados quando a pobreza de uma povoação impedia a instalação de um negócio rentável por um boticário devidamente habilitado; o Estado tinha então de intervir, para garantir o acesso da população à assistência medicamentosa de qualidade.

A referência mais antiga que encontrámos à existência de partidos de medicina no concelho de Ponte de Sor foi a provisão régia de 13 de Julho de 1750; respondia a uma petição enviada pelos oficiais da Câmara, nobreza e Povo da vila de Ponte de Sor e permitia-lhes dispor anualmente da quantia de 30.000 réis para pagar a um médico que os assistisse, o que seria desde logo acordado com o partidarista do então concelho vizinho de Galveias, com a condição de se deslocar a Ponte de Sor duas vezes por semana. Já em relação aos partidos de farmácia, é de destacar a Portaria do Ministério do Reino de 19 de Março de 1863, que ordenava a criação de um na vila de Galveias, pois constara só ali existir uma botica, servida por um boticário sem habilitações legais. Com a melhoria das condições de negócio no concelho no final do século XIX, deixou de se verificar a necessidade de o Município sustentar partidos farmacêuticos, vindo os três existentes a ser suprimidos em 1905.

Entre 1834 e 1910, nas três freguesias do concelho, foi em média provido um médico a título definitivo por cada 4 a 6 anos. No entanto, houve longos períodos em que os cargos não estiveram ocupados, tendo-se realizado concursos sucessivos sem que houvesse candidatos. Nessas situações, e sobretudo durante as épocas de licença dos partidaristas, eram nomeados médicos substitutos ou interinos, que vinham de outra das freguesias do concelho duas vezes por semana, para assegurar a assistência à população. Julgamos que a instabilidade registada na ocupação dos partidos de medicina, bem como nos de farmácia durante alguns anos, se pode relacionar com a interioridade e a pobreza do concelho, pouco atrativo para profissionais de saúde não naturais de Ponte de Sor e formados em Lisboa, Porto ou Coimbra. Assim o sugerem a petição dos pontessorenses ao rei, citada na provisão de 1750, dizendo que, mesmo com a criação de um partido, dificilmente encontrariam alguém disposto a ocupá-lo a tempo inteiro, «em razão da pobreza daquelles citios»; bem como a Portaria de 1863, para a criação de um partido farmacêutico em Galveias, onde «os poucos interesses que ali se tiram do exercicio da pharmacia» não convidavam ao estabelecimento de uma botica habilitada. De resto, o Município foi muitas vezes obrigado a aumentar o valor do ordenado oferecido aos médicos ou aos farmacêuticos para conseguir ocupar os lugares disponíveis.

Consequência desta instabilidade era o desamparo da maioria da população, diversas vezes desprovida de cuidados médicos profissionais, pois não podia custear a deslocação de médicos de concelhos vizinhos. A situação agravava-se em períodos de maior morbilidade ou incidência de doenças, como epidemias ou febres, associadas ao verão. Entre muitos outros exemplos que se poderiam citar, terminamos com o testemunho do Administrador do Concelho de Ponte de Sor, que em Julho de 1862 escrevia ao Delegado do Conselho de Saúde em Portalegre, dando conta das «[…] lamentaveis circunstancias em que se via o povo desta Villa a braços com o grande numero d’atacados de febres intermitentes na actual época, não havendo um facultativo na Villa, e o pharmaceutico estando próximo a retirar-se […]».

Sem comentários:

Enviar um comentário