segunda-feira, 30 de julho de 2012

Grupos Empresariais em Portugal durante o Estado Novo

Nos últimos 6 meses colaborei com o projeto "Grupos Empresariais em Portugal durante o Estado Novo", acolhido pela FE/UNL. Ao que tudo indica estou de saída, pelo que não tive oportunidade de aprofundar convenientemente o meu conhecimento sobre este tema, de forma que não posso adiantar grande coisa sobre as conclusões deste projeto, para além daquilo que seriam meras banalidades. No entanto, não quis deixar de assinalar este tema de investigação, que é muito mais pertinente do que se possa pensar.


O projeto apresentará em breve as suas conclusões sobre os seus dois principais eixos de investigação: Por um lado, reconstituir o processo de criação e desenvolvimento dos chamados grupos económicos e, por outro, averiguar se a criação desta estrutura empresarial deu algum contributo para o rápido crescimento económico verificado durante o Estado Novo.


Quanto a mim, parece que vou estar ligado a um projeto mais duradouro temporalmente e, sobretudo, próximo da minha investigação de doutoramento, permitindo-me também, a médio prazo, analisar e publicar alguns trabalhos, mas disso falarei na devida altura. 

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Lisboa e os mendigos


Partilho convosco mais um tópico interessante com o qual me deparei no meu trabalho de catalogação de publicações antigas, que integram o fundo biblioteconómico do Arquivo Municipal de Ponte de Sor: a obra "Descripção topographica da nobilissima cidade de Lisboa, e plano para a sua limpeza, e conservação da saude de seus habitantes", de Joaquim José Ventura da Silva, publicada em 1835 e citada num artigo da "Revista Municipal" de Lisboa (ano III, n.º 11 e 12, 1.º e 2.º trimestre 1942, p. 73-76).

Vejam-se alguns dos temas tratados nesta obra, respeitantes a questões de saúde pública: recipientes de lixo, cloacas e pias; limpeza exterior e cores das paredes dos prédios; polícia dos veículos e excessos de velocidade; polícia dos cais; instalação de indústrias; arborização de estradas; classificação e protecção aos mendigos.

Destaco o último aspecto, que me é particularmente caro, remetendo para a preocupação com a extinção da mendicidade, recorrente durante o período da Monarquia Constitucional e ainda no da I República. Joaquim José Ventura da Silva classifica os mendigos em três categorias, nomeadamente:

«1.º dos incuraveis;
»2.º dos que a sua avançada idade lhes não permite ganharem o sustento;
»3.º dos mandriões, que andão pedindo com a capa da pobreza».

Segundo o Autor, os membros das duas primeiras classes mereciam ser assistidos, enquanto para os da terceira preconizava a regeneração, através do trabalho. Em concreto:

- os mendigos incuráveis seriam abrigados no Convento da Graça e os idosos no de S. Vicente;
- «Quanto aos da 3.ª classe (os quaes são muito prejudiciais á sociedade) he necessário, que a policia tome conta delles, e os obrigue a trabalhar; porque como diz S. Paulo: "Quem não quere trabalhar não merece, que o sustentem".» O Autor sugeria a criação de «povoações de mendigos, que possão trabalhar» em zonas despovoadas do Reino, dando-lhes casas para habitarem e courelas para cultivarem e fornecendo-lhes meios de sustento durante os dois primeiros anos; este sistema seria financiado através de uma contribuição directa de toda a população, cobrada ao nível das freguesias e compensada pelo facto de se proibir o acto de pedir esmola pelas portas. Para além disso, os mendigos válidos podiam também ser empregues «nas cadeias, fabricas de tecidos, ou de qualquer outra industria nacional, em que se occupem os braços, e se tire delles utilidade».

Legenda da imagem: Lisboa. Vista panorâmica a partir do jardim de S. Pedro de Alcântara - 1ª metade do séc. XIX. Litografia, Sousa e Barreto, 1844. Disponível em http://purl.pt.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Viagens na História: Rota das Igrejas

No passado sábado efectuei mais uma visita às Igrejas da Paróquia de S. Nicolau, em Lisboa, onde incluí também uma breve visita à Igreja de Santa Maria Maior de Lisboa, isto é, à Sé de Lisboa. Estas visitas, que até agora têm sido levadas a cabo em colaboração com a Paróquia de São Nicolau, pretendem dar a conhecer o património histórico religioso da baixa lisboeta que, estranhamente, é muitas vezes desconhecido entre os próprios Lisboetas. Ora, se todos conhecem a Sé de Lisboa - embora quase nunca saibam que a sua primeira denominação é de Igreja de Santa Maria Maior -, a Igreja de São Nicolau e, em menor medida, a Igreja da Conceição Velha, poucos são aqueles que, mesmo tendo passado milhares de vezes por elas, conhecem a Igreja de Nossa Senhora da Vitória e, sobretudo, a Igreja de Nossa Senhora da Oliveira. De facto é muito raro encontrar-se uma igreja setecentista que se situa no rés-do-chão de um prédio de habitação, como é o caso desta última.


(Entrada da Sacristia do Convento da Graça)

É para explicar esse estranho evento, assim como alguma da História por detrás de cada templo e daquela zona da cidade, que eu ou o meu colega Joel Moedas Miguel lá estamos. Assim, a visita não se fica por uma abordagem exaustiva à parte artística, que aliás não é de todo desejável, partindo antes para uma abordagem mais abrangente à História de Lisboa; de algumas das instituições portuguesas como, por exemplo, as Misericórdias e Ordem de Cristo; da Igreja e de cada templo.

Temos organizado também visitas ao Património Histórico da zona da Graça, também em Lisboa. De futuro tencionamos expandir as visitas a outro tipo de Património e a outras regiões do país, mas será algo que aqui anunciarei, bem como a próxima visita que faremos.


quinta-feira, 19 de julho de 2012

Medicina e farmácia: assistência na doença em Ponte de Sor (séc. XIX-XX)



A segunda iniciativa do ciclo “Encontros com a História” consistiu numa conferência dedicada ao tema “Medicina e farmácia: assistência na doença em Ponte de Sor (séculos XIX-XX)”, que realizámos no Centro de Artes e Cultura de Ponte de Sor, no dia 13 de Julho. Centrámo-nos no período da Monarquia Constitucional (1834-1910) e na ação estatal, mais propriamente municipal, nesta matéria, deixando de lado a assistência praticada por instituições privadas, com destaque para as Misericórdias e os seus hospitais.

No domínio da saúde, o Estado liberal interveio diretamente gerindo vários hospitais, incluindo os de Lisboa, Coimbra e Caldas das Rainha, bem como, em todo o reino, os partidos ou cargos municipais de medicina, farmácia e obstetrícia. A criação destes partidos, mediante a abertura de concursos públicos, era uma das competências dos municípios fixadas nos diversos Códigos Administrativos, desde 1842. Foram definidas em articulado próprio as obrigações dos médicos de partido, com destaque para a de curar gratuitamente os pobres, os expostos (ver imagem, bilhete assinado pelo facultativo ou médico municipal, António Baptista), as crianças desvalidas e abandonadas e os presos. Quanto aos partidos farmacêuticos, só eram criados quando a pobreza de uma povoação impedia a instalação de um negócio rentável por um boticário devidamente habilitado; o Estado tinha então de intervir, para garantir o acesso da população à assistência medicamentosa de qualidade.

A referência mais antiga que encontrámos à existência de partidos de medicina no concelho de Ponte de Sor foi a provisão régia de 13 de Julho de 1750; respondia a uma petição enviada pelos oficiais da Câmara, nobreza e Povo da vila de Ponte de Sor e permitia-lhes dispor anualmente da quantia de 30.000 réis para pagar a um médico que os assistisse, o que seria desde logo acordado com o partidarista do então concelho vizinho de Galveias, com a condição de se deslocar a Ponte de Sor duas vezes por semana. Já em relação aos partidos de farmácia, é de destacar a Portaria do Ministério do Reino de 19 de Março de 1863, que ordenava a criação de um na vila de Galveias, pois constara só ali existir uma botica, servida por um boticário sem habilitações legais. Com a melhoria das condições de negócio no concelho no final do século XIX, deixou de se verificar a necessidade de o Município sustentar partidos farmacêuticos, vindo os três existentes a ser suprimidos em 1905.

Entre 1834 e 1910, nas três freguesias do concelho, foi em média provido um médico a título definitivo por cada 4 a 6 anos. No entanto, houve longos períodos em que os cargos não estiveram ocupados, tendo-se realizado concursos sucessivos sem que houvesse candidatos. Nessas situações, e sobretudo durante as épocas de licença dos partidaristas, eram nomeados médicos substitutos ou interinos, que vinham de outra das freguesias do concelho duas vezes por semana, para assegurar a assistência à população. Julgamos que a instabilidade registada na ocupação dos partidos de medicina, bem como nos de farmácia durante alguns anos, se pode relacionar com a interioridade e a pobreza do concelho, pouco atrativo para profissionais de saúde não naturais de Ponte de Sor e formados em Lisboa, Porto ou Coimbra. Assim o sugerem a petição dos pontessorenses ao rei, citada na provisão de 1750, dizendo que, mesmo com a criação de um partido, dificilmente encontrariam alguém disposto a ocupá-lo a tempo inteiro, «em razão da pobreza daquelles citios»; bem como a Portaria de 1863, para a criação de um partido farmacêutico em Galveias, onde «os poucos interesses que ali se tiram do exercicio da pharmacia» não convidavam ao estabelecimento de uma botica habilitada. De resto, o Município foi muitas vezes obrigado a aumentar o valor do ordenado oferecido aos médicos ou aos farmacêuticos para conseguir ocupar os lugares disponíveis.

Consequência desta instabilidade era o desamparo da maioria da população, diversas vezes desprovida de cuidados médicos profissionais, pois não podia custear a deslocação de médicos de concelhos vizinhos. A situação agravava-se em períodos de maior morbilidade ou incidência de doenças, como epidemias ou febres, associadas ao verão. Entre muitos outros exemplos que se poderiam citar, terminamos com o testemunho do Administrador do Concelho de Ponte de Sor, que em Julho de 1862 escrevia ao Delegado do Conselho de Saúde em Portalegre, dando conta das «[…] lamentaveis circunstancias em que se via o povo desta Villa a braços com o grande numero d’atacados de febres intermitentes na actual época, não havendo um facultativo na Villa, e o pharmaceutico estando próximo a retirar-se […]».

terça-feira, 17 de julho de 2012

Desigualdade de Rendimento no Alto Alentejo do século XVIII

Não é bem este o título, mas é este o principal problema que eu e o meu colega Bruno Lopes vamos procurar resolver no próximo encontro de História Económica e Social da APHES. Partindo de livros de décimas, um imposto universal sobre o rendimento, vamos procurar mensurar as desigualdades de rendimento da sociedade norte alentejana de Antigo Regime, procurando também descortinar se existiam grandes diferenças entre o meio rural e urbano e, dentro deste último, entre pequenas vilas (Galveias, Avis , Arraiolos ou Ponte de Sor) e uma cidade (Portalegre). 

Com o aproximar do evento (está marcado para os dias 15 e 16 de Novembro de 2012) regressarei a este tema, sobretudo para explicar este imposto, mas por agora fica apenas aqui uma imagem de um livro de décima de Portalegre (1725). Trata-se da contribuição dos habitantes da Rua do Mercado (como vem assinalado no início da lauda).

(Carregando na imagem consegue-se aumentar)

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Arquivo Municipal de Ponte de Sor - Documentos do mês - Julho 2012 Médicos municipais no concelho de Ponte de Sor (séculos XIX-XX)


A presente mostra documental, patente no átrio do Centro de Artes e Cultura de Ponte de Sor, faz parte de uma série que apresento mensalmente, sob o título Documento(s) do mês, com o objectivo de divulgar o património documental e histórico do Município de Ponte de Sor.

O tema dos meses de Julho e Agosto remete para a assistência médica municipal. Os partidos ou lugares municipais de medicina, bem como os de farmácia e obstetrícia, foram uma das vias de administração primária ou directa do Estado oitocentista no domínio assistencial. De acordo com o Código Administrativo de 1886, o primeiro a dedicar um capítulo específico aos «Facultativos de partido», estes cargos, pagos pelo município, eram providos na sequência de um concurso público (ver Doc. 3), podendo existir mais do que um médico por concelho, consoante as necessidades da população. Assim aconteceu em Ponte de Sor, onde ao partido da vila sede de concelho se juntaram os das freguesias de Galveias (ver Doc. 1) e posteriormente Montargil. Os médicos municipais estavam encarregues de, na sua área de acção e gratuitamente, curar os pobres, as crianças expostas, desvalidas e abandonadas (ver Doc. 2) e os presos; vacinar e revacinar «sem distincção de classes»; e inspeccionar as meretrizes. Estes funcionários eram muitas vezes, para uma grossa fatia da população, principalmente em zonas rurais, mais isoladas, a única via de acesso a cuidados de saúde profissionais. Daí os problemas resultantes da instabilidade na ocupação dos partidos no concelho de Ponte de Sor e a necessidade por parte da Câmara Municipal de encontrar soluções de recurso, como a que fica patente no Doc. 1.

Documento 1
Ponte de Sor, 20 de Outubro de 1858 – Em sessão da Câmara Municipal desta data, o Presidente propôs dar posse do partido de médico de Galveias a José António de Melo Vieira, visto este já se ter apresentado na Vila. Sugeriu também que, «achando-se dezerto» o partido de Ponte de Sor, pela ausência de José Gaspar de Lemos, o que «causa grande transtorno aos moradores nesta Freguesia», e oferecendo-se para colmatar a falta o médico José António de Melo Vieira, que se comprometia a vir a Ponte de Sor duas vezes por semana, se lhe pagasse o incómodo e o trabalho com o ordenado estipulado para o partido de Ponte de Sor; «lucrando munto com isto esta pupulação por ser dezerta ou carecer de facultativo de qualquer qualidade não tendo a maxima parte da mesma meios para reccorrer a qualquer das terras ahonde o há, perecendo assim muntos induviduos pela ditta falta». A Câmara, atendendo a que o facultativo em causa residia em Galveias e que podia assumir interinamente os dois partidos do Concelho, «e tendo em vista escolher do mál o menos», aprovou a proposta, marcou os dias de terça e sexta-feira para a vinda semanal de Melo Vieira a Ponte de Sor e determinou dar conhecimento de tudo ao Conselho de Distrito. AMPS, Livro de registo das actas das sessões da Câmara Municipal 1851-1860, fls. 153v-154.

Documento 2
Ponte de Sor, 28 de Maio de 1862 – Bilhete manuscrito e assinado pelo Facultativo Municipal de Ponte de Sor, António Baptista, atestando que a ama de expostos Maria Rosa, natural desta vila, tinha bom leite e gozava saúde. Pertence a um conjunto de bilhetes relativos ao estado de saúde das amas e dos próprios expostos, que cabia aos médicos municipais fiscalizar. O bilhete seguinte da série, por exemplo, de 11 de Junho de 1862, dá conta de que o exposto Basílio António «secumbio a uma anasarca» (edema extremo e generalizado), vindo a falecer. António Baptista, natural do Sardoal, foi médico municipal de Ponte de Sor entre Janeiro de 1860 e Junho de 1862, tendo sido forçado a retirar-se por motivos de saúde (ver AMPS, Livros de registo das actas das sessões da Câmara Municipal 1851-1860, sessão de 29 Janeiro 1860, fl. 178v., e 1860-1866, sessão de 28 Maio 1862, fls. 53-53v).



Documento 3
Diário do Governo, n.º 56, 10 de Março de 1913, p. 897 Anúncio de concurso para provimento do partido médico da freguesia de Galveias, com o vencimento anual de 400$000 réis, lançado pela Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Ponte de Sor. Segundo acta da sessão da Câmara de 17 de Abril de 1913, entre os dois concorrentes que se apresentaram, aquela elegeu o Dr. Aurélio Mendes Guimarães, que vinha desempenhando há 17 meses o lugar de médico interino daquela freguesia, sem ter gozado uma única licença e distinguindo-se pela sua inteligência e dedicação. Como prova do seu bom trabalho, destacava-se a redução do número de óbitos ocorridos em Galveias entre Dezembro de 1911 e Abril de 1913 em relação a iguais períodos de épocas anteriores: «são hoje vários os casos gravíssimos de doenças que n’estes últimos tempos se têm apresentado em Galveias e de que o medico municipal interino tem triumphado habilmente restituindo á vida essas creaturas que hoje cheias de gratidão bemdizem o clínico» (ver AMPS, Actas das sessões. Câmara Municipal de Ponte de Sor. 1913-1919, fls. 191v-193v).

Creating Wine: The emergence of a World Industry, 1840-1914.

Nas últimas duas semanas andei a ler um estudo sobre o desenvolvimento da indústria do setor vinícola, da autoria de James Simpson. Deixo aqui um resumo do seu conteúdo:


James Simpson oferece ao leitor um estudo sobre a indústria do vinho, um tema em que é um reconhecido especialista, contando já com diversas obras publicadas sobre o setor vitivinícola. Desde logo a escolha do subtítulo – The emergence of a World Industry, 1840-1914 – desvenda um pouco do conteúdo da obra, pois, como o autor demonstra, foi precisamente durante este período que a indústria vinhateira ganhou uma dimensão mundial. Assim, se no início do século XIX o comércio internacional de vinho se restringia ao segmento de vinhos espirituosos e de alta qualidade como, por exemplo, o Vinho do Porto ou o Champagne, nas vésperas da Grande Guerra não só vários tipos de vinho eram transacionados nos mercados internacionais, como também as principais regiões produtoras tinham-se expandido até ao Continente Americano, ao Norte de África e à Oceânia.
            Na realidade, a partir da segunda metade do século XIX, a indústria vinhateira sofreu importantes alterações que, em grande parte, se mantêm até à atualidade. É precisamente nestas modificações que James Simpson centra a sua análise, examinando com grande detalhe os principais países produtores de vinho europeus – França, Espanha, Itália e Portugal -, a evolução do comércio internacional deste produto e o crescimento da produção no “Novo Mundo” – Estados Unidos, Chile, Argentina e Austrália. Desta forma, o livro encontra-se dividido em quatro partes, a primeira relativa ao segmento do vinho “comum”; segue-se a análise da exportação de vinho na europa e, sobretudo, do falhanço, no longo prazo, na abertura de novos mercados dentro do continente europeu; a terceira parte incide na reação dos produtores das regiões mais prestigiadas a fenómenos como a adulteração e a fraude; e, finalmente, uma quarta parte estuda o desenvolvimento da indústria vinhateira fora dos limites europeus.
            O autor começa por assinalar como o negócio vinhateiro europeu novecentista, em torno do vinho “comum”, foi marcado pela integração de mercados, fruto do desenvolvimento dos meios de transporte e do aumento da procura, contribuindo decisivamente para o aparecimento de uma especialização regional e da internacionalização do seu comércio, mas, sobretudo, também pelas consequências da disseminação de doenças e pragas, como o oídio e a filoxera. Na realidade o impacto destas crises transformou radicalmente a estrutura de produção daquele tipo de vinho, assim como a sua comercialização. Em resposta à morte das vinhas desenvolveu-se, especialmente em França, uma aposta no conhecimento científico que possibilitou um maior conhecimento da planta e, paralelamente, a obtenção, a médio prazo, de uma maior qualidade de vinho. O relativo sucesso desta aposta trouxe ao setor um novo modelo organizativo, visto que passou a ser necessário um maior investimento em capital, sobretudo em alfaias agrícolas e químicos, e um know-how mais aprofundado. A indústria vinhateira parecia então estar destinada a grandes companhias cuja estratégia operacional passaria pela integração vertical, todavia, os pequenos produtores lograram associar-se permitindo a manutenção do seu papel preponderante neste setor.
            Simultaneamente, outros produtores de uvas reagiram de forma diferente optando pela importação de resistentes vinhas americanas, enquanto alguns produtores de vinho e comerciantes apostaram na adulteração e na fraude como forma de satisfazerem a procura de vinho, num período marcado por grandes quebras de produção. Esta resultou na perda de alguns mercados importantes, como o mercado inglês, e numa quebra momentânea de consumo no mercado francês, devido à volatilidade da qualidade do vinho e à falta de informação fiável por parte do consumidor.
Ao mesmo tempo, os produtores de vinhos espirituosos e de alta qualidade, também estes afetados por estas práticas, associaram-se corporativamente de forma a pressionar o Estado na criação legal de regiões demarcadas, assim como na fiscalização do seu cumprimento. Nas regiões onde estas pretensões foram acedidas, como França e Portugal, houve uma recuperação do consumo vinícola e a criação de cooperativas de produtores que mantiveram, até os nossos dias, uma estrutura produtiva organizada em milhares de pequenas unidades, por vezes de carácter familiar.
            Fora da Europa, não obstante a tentativa de introdução de vinhas datar do início do período colonial, a indústria do vinho só se desenvolveu no final do século XIX, coincidindo com a introdução de novas tecnologias na produção e da viticultura científica, que permitiu combater com eficácia as infeções bacterianas típicas de climas quentes; com o aparecimento de economias de escala, devido ao crescimento da população; e, por último, com a queda dos custos marginais.
Aproveitando algumas condições mais favoráveis que os seus congéneres europeus não possuíam como, por exemplo, uma maior produtividade da vinha e o reduzido preço da terra e, simultaneamente, evitando desvantagens como o elevado custo do trabalho através de uma produção mais extensiva, esta nova indústria vinhateira parecia destinada a dominar os mercados internacionais. No entanto, com exceção da Austrália, a produção fora da Europa acabou por se restringir à substituição de importações, fornecendo, com bastante sucesso, os seus mercados internos, em grande expansão, tendo beneficiado ainda, para esse efeito, de pautas aduaneiras fortemente protecionistas.
Ao contrário da produção europeia, devido à necessidade de fortes investimentos em capital, surgiram no “Novo Mundo” grandes companhias que dominaram a indústria vinhateira. De facto naquelas regiões, perante a ausência de uma estrutura tradicional baseada em pequenos produtores, o aparecimento significativo destes estava limitado pelos avultados investimentos em tecnologia, que possibilitou a produção de vinho em climas quentes; em transportes, devido às grandes distâncias que o produto tinha que percorrer até ao chegar ao consumidor final; e em estratégias de marketing na obtenção de novos consumidores, sobretudo nos países de influência anglo-saxónica onde a população não tinha por hábito consumir vinho.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Comissão de Socorros 1876

Estou a catalogar e a classificar uma série de publicações que constituirão a biblioteca do Arquivo Municipal de Ponte de Sor. Datam dos séculos XIX e XX e são na sua maioria publicações de carácter oficial, enviadas para as Câmaras Municipais e outros órgãos administrativos do país. Trago-vos aqui um exemplo particularmente interessante para a minha área preferencial de investigação:

Comissão de Soccorros em favor das Victimas das Inundações em Portugal no Inverno de 1876-1877: relatorio e documentos. Lisboa: Imprensa Nacional, 1880.

Uma circular de 21 de Dezembro de 1876, publicada neste relatório, esclarece que, face às recentes inundações, que «vieram lançar em completa miseria grande numero de familias em todo o paiz», a Rainha «quiz ser a iniciadora de uma louvavel obra de caridade», tendo organizado em Lisboa uma Comissão que, «de accordo com outras estabelecidas em diversos pontos do paiz, procurasse recolher donativos com que as pessoas caridosas fossem em auxilio de tantas familias que hoje se encontram na mais completa miseria».

A publicação inclui, entre outros elementos, o levantamento, organizado por distritos e por concelhos, de todos os pedidos de ajuda dirigidos à Comissão, dos que foram deferidos, das quantias concedidas e dos indivíduos e colectividades que contribuíram com donativos. Este relatório dá conta, sobretudo, para o período em causa, da ausência de mecanismos de previdência, que obrigava à organização de formas especiais de auxílio em casos de catástrofe, bem como da importância da beneficência particular para colmatar necessidades sociais.