domingo, 15 de janeiro de 2012

O “ouro português”: a evolução do negócio corticeiro em Portugal


(Parte 4: O triunfo português e a nova geografia industrial corticeira (1929-1960))

Nos trinta anos que vão desde o início da Grande Depressão (1929) até 1960, três profundas alterações ocorrem no negócio da cortiça. Em primeiro lugar, deve-se assinalar o progressivo abandono desta actividade por parte dos países não produtores de matéria-prima; em segundo lugar, a quebra da actividade corticeira em Espanha; e, por último, o crescimento desta indústria em Portugal, tornando o país luso o líder mundial não só na extracção de cortiça, bem como na sua transformação, alterando a estrutura da indústria nacional que até então se dedicava mais à exportação de produtos em bruto ou semitransformados.
Durante os anos 1930, a descoberta de produtos sintéticos que substituíram as aplicações de cortiça ao nível do isolamento e revestimento afectaram a produção de aglomerados. Estes eram a principal actividade da indústria corticeira nos países desenvolvidos e uma boa parte da espanhola, enquanto Portugal tinha mantido até então um forte pendor na produção de rolha o que ajuda a explicar, mas apenas em parte, algumas destas mutações. No entanto, o problema é muito mais complexo, especialmente, na inversão dos papéis dos dois países ibéricos. 
Durante o período considerado Espanha conheceu algumas graves crises conjunturais e, sobretudo, alterações estruturais responsáveis pela agonia das corticeiras espanholas. A primeira das crises conjunturais foi, desde logo, a Grande Depressão que, tal como no período da Grande Guerra, causou uma quebra do comércio internacional e a adopção de medidas proteccionistas nos principais mercados consumidores de cortiça (Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, França, Rússia). Neste cenário as exportações espanholas foram mais prejudicadas, já que as exportações portuguesas de cortiça em bruto ou semitransformada eram menos penalizadas nas diversas pautas aduaneiras. Todavia, pode-se afirmar que a Grande Depressão afectou os dois países, embora com proporções diferentes, o que já não acontecerá durante a Guerra Civil Espanhola (1936-39).
Será durante a Guerra Civil espanhola que, pela primeira vez, Portugal se tornará o principal país corticeiro do globo. Para além dos efeitos naturais deste duro conflito bélico, existiu uma separação, durante os três anos da guerra, entre a zona de transformação de cortiça situada na Catalunha e dominada pelo lado Republicano, e a área de produção situada na Extremadura e Andaluzia e controlada pelos Franquistas. Perante a impossibilidade de fornecer a indústria catalã, os produtores extremenhos e andaluzes viraram-se para a indústria lusa, através de um comércio ilegal de contrabando com foco na fronteira Cedillo-Montalvão, frequentemente com a conivência das autoridades portuguesas.
A indústria portuguesa aproveitou este período conturbado da História de Espanha para conquistar diversos mercados à custa dos seus rivais espanhóis. Após o final do conflito era de esperar um certo incremento das exportações espanholas, porém, o hiato entre as exportações lusas e espanholas não parou de aumentar. Para explicar esta situação é necessário compreender as alterações estruturais do negócio corticeiro nos dois lados da fronteira que, sem qualquer dúvida, favoreceram os portugueses. Vários foram os factores responsáveis por esta situação sendo difícil hierarquizá-los. Sumariamente pode-se enumerar a actuação coerente da entidade reguladora do sector, a Junta Nacional de Cortiça, por comparação com a confusão institucional do lado espanhol; a maior abertura da economia portuguesa ao exterior por oposição à rígida autarcia franquista que permitiu, por um lado, a importação de alguns materiais essenciais para a indústria corticeira e cuja relação qualidade/preço em muito superaram os seus congéneres de origem espanhola à disposição da indústria daquele país e, por outro, possibilitou aumentar a oferta de matéria-prima quando a produção do mercado interno português deixou de ser suficiente para abastecer a enorme indústria que entretanto se criara; a política aduaneira lusa, que favoreceu as exportações de cortiça transformada em detrimento das exportações de cortiça em bruto, quando em Espanha o lobby dos produtores florestais conseguiu o contrário; e, por último, o custo mais reduzido da mão-de-obra portuguesa, num sector que necessita de mão-de-obra intensiva e onde esta representa entre 13% a 27% dos custos finais, consoante a época.
Nos “anos de ouro” da cortiça em Portugal ocorreram também importantes mudanças a nível interno. Assim, existiu uma forte deslocalização das corticeiras em direcção à região Norte, concretamente ao distrito de Aveiro e, sobretudo, em torno de Santa Maria da Feira. Embora outras regiões tenham conhecido algum crescimento como, por exemplo, são os casos do Algarve e Setúbal, nenhuma experienciou um aumento tão espectacular como a referida região. No Inquérito Industrial de 1957-59 existiam, no Distrito de Aveiro, cerca de 4500 trabalhadores ligados ao ramo corticeiro (22% do total nacional) distribuídos por várias centenas de empresas especializadas no fabrico de rolhas (44% da produção nacional de rolhas e apenas 5% de outros produtos manufacturados).
Embora Santa Maria da Feira não se situe especialmente perto da região produtora, reuniu um conjunto de factores a seu favor: uma boa rede de transportes terrestres e marítimos; uma tradição industrial que vinha desde finais do século XVIII; a disponibilidade imediata de mão-de-obra devido ao seu recente crescimento demográfico; a acção de uma grande empresa, a Amorim&Irmãos, hoje líder mundial do sector; e, finalmente, o factor mais decisivo, a existência de salários mais baixos, facto institucionalizado oficialmente pelo governo em 1941, através da publicação legal do regime salarial do sector corticeiro. Já referimos a importância do custo da mão-de-obra na estrutura de custos destas indústrias, ora em seguida reproduzimos a respectiva tabela salarial.
No caso norte-alentejano, para além da Robinson e de uma filial da Mundet, sem administração autónoma, inaugurada em Ponte de Sor em 1927, o sector corticeiro pautava-se pela existência de pequenas fábricas que operavam, na maioria dos casos, como intermediários numa cadeia comercial mais vasta dominada pelos grandes operadores internacionais. A sua actividade estendia-se da compra de cortiça à venda de produtos que constituíam matéria-prima para a indústria que se encontrava em rápida transformação – prancha, apara e os quadros. Novamente a realidade alentejana reflectiu o panorama nacional, ou seja, a criação de novos empreendimentos teve um pico durante os anos 1940 para de seguida, a partir do final dos anos 1950, se acentuar a caducidade das licenças industriais, acelerando-se este movimento na década de 1960. Desta forma, muitas pequenas indústrias encerraram ou deslocalizaram-se para outros centros corticeiros mais importantes como a Margem Sul e, sobretudo, em direcção ao distrito de Aveiro e a Santa Maria da Feira.

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