(Parte 4: O triunfo português e a nova
geografia industrial corticeira (1929-1960))
Nos
trinta anos que vão desde o início da Grande Depressão (1929) até 1960, três
profundas alterações ocorrem no negócio da cortiça. Em primeiro lugar, deve-se
assinalar o progressivo abandono desta actividade por parte dos países não
produtores de matéria-prima; em segundo lugar, a quebra da actividade
corticeira em Espanha; e, por último, o crescimento desta indústria em
Portugal, tornando o país luso o líder mundial não só na extracção de cortiça,
bem como na sua transformação, alterando a estrutura da indústria nacional que
até então se dedicava mais à exportação de produtos em bruto ou
semitransformados.
Durante
os anos 1930, a descoberta de produtos sintéticos que substituíram as
aplicações de cortiça ao nível do isolamento e revestimento afectaram a
produção de aglomerados. Estes eram a principal actividade da indústria
corticeira nos países desenvolvidos e uma boa parte da espanhola, enquanto
Portugal tinha mantido até então um forte pendor na produção de rolha o que
ajuda a explicar, mas apenas em parte, algumas destas mutações. No entanto, o
problema é muito mais complexo, especialmente, na inversão dos papéis dos dois
países ibéricos.
Durante
o período considerado Espanha conheceu algumas graves crises conjunturais e,
sobretudo, alterações estruturais responsáveis pela agonia das corticeiras
espanholas. A primeira das crises conjunturais foi, desde logo, a Grande
Depressão que, tal como no período da Grande Guerra, causou uma quebra do
comércio internacional e a adopção de medidas proteccionistas nos principais
mercados consumidores de cortiça (Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha,
França, Rússia). Neste cenário as exportações espanholas foram mais
prejudicadas, já que as exportações portuguesas de cortiça em bruto ou semitransformada
eram menos penalizadas nas diversas pautas aduaneiras. Todavia, pode-se afirmar
que a Grande Depressão afectou os dois países, embora com proporções
diferentes, o que já não acontecerá durante a Guerra Civil Espanhola (1936-39).
Será
durante a Guerra Civil espanhola que, pela primeira vez, Portugal se tornará o
principal país corticeiro do globo. Para além dos efeitos naturais deste duro
conflito bélico, existiu uma separação, durante os três anos da guerra, entre a
zona de transformação de cortiça situada na Catalunha e dominada pelo lado
Republicano, e a área de produção situada na Extremadura e Andaluzia e
controlada pelos Franquistas. Perante a impossibilidade de fornecer a indústria
catalã, os produtores extremenhos e andaluzes viraram-se para a indústria lusa,
através de um comércio ilegal de contrabando com foco na fronteira
Cedillo-Montalvão, frequentemente com a conivência das autoridades portuguesas.
A
indústria portuguesa aproveitou este período conturbado da História de Espanha
para conquistar diversos mercados à custa dos seus rivais espanhóis. Após o
final do conflito era de esperar um certo incremento das exportações
espanholas, porém, o hiato entre as exportações lusas e espanholas não parou de
aumentar. Para explicar esta situação é necessário compreender as alterações
estruturais do negócio corticeiro nos dois lados da fronteira que, sem qualquer
dúvida, favoreceram os portugueses. Vários foram os factores responsáveis por
esta situação sendo difícil hierarquizá-los. Sumariamente pode-se enumerar a
actuação coerente da entidade reguladora do sector, a Junta Nacional de Cortiça, por comparação com a confusão
institucional do lado espanhol; a maior abertura da economia portuguesa ao
exterior por oposição à rígida autarcia franquista que permitiu, por um lado,
a importação de alguns materiais essenciais para a indústria corticeira e cuja
relação qualidade/preço em muito superaram os seus congéneres de origem
espanhola à disposição da indústria daquele país e, por outro, possibilitou
aumentar a oferta de matéria-prima quando a produção do mercado interno
português deixou de ser suficiente para abastecer a enorme indústria que
entretanto se criara; a política aduaneira lusa, que favoreceu as exportações
de cortiça transformada em detrimento das exportações de cortiça em bruto,
quando em Espanha o lobby dos
produtores florestais conseguiu o contrário; e, por último, o custo mais
reduzido da mão-de-obra portuguesa, num sector que necessita de mão-de-obra
intensiva e onde esta representa entre 13% a 27% dos custos finais, consoante a
época.
Nos
“anos de ouro” da cortiça em Portugal ocorreram também importantes mudanças a
nível interno. Assim, existiu uma forte deslocalização das corticeiras em
direcção à região Norte, concretamente ao distrito de Aveiro e, sobretudo, em
torno de Santa Maria da Feira. Embora outras regiões tenham conhecido algum
crescimento como, por exemplo, são os casos do Algarve e Setúbal, nenhuma
experienciou um aumento tão espectacular como a referida região. No Inquérito
Industrial de 1957-59 existiam, no Distrito de Aveiro, cerca de 4500
trabalhadores ligados ao ramo corticeiro (22% do total nacional) distribuídos
por várias centenas de empresas especializadas no fabrico de rolhas (44% da
produção nacional de rolhas e apenas 5% de outros produtos manufacturados).
Embora
Santa Maria da Feira não se situe especialmente perto da região produtora,
reuniu um conjunto de factores a seu favor: uma boa rede de transportes terrestres
e marítimos; uma tradição industrial que vinha desde finais do século XVIII; a
disponibilidade imediata de mão-de-obra devido ao seu recente crescimento
demográfico; a acção de uma grande empresa, a Amorim&Irmãos, hoje líder mundial do sector; e, finalmente, o
factor mais decisivo, a existência de salários mais baixos, facto
institucionalizado oficialmente pelo governo em 1941, através da publicação
legal do regime salarial do sector corticeiro. Já referimos a importância do
custo da mão-de-obra na estrutura de custos destas indústrias, ora em seguida
reproduzimos a respectiva tabela salarial.
No
caso norte-alentejano, para além da Robinson
e de uma filial da Mundet, sem
administração autónoma, inaugurada em Ponte de Sor em 1927, o sector corticeiro
pautava-se pela existência de pequenas fábricas que operavam, na maioria dos
casos, como intermediários numa cadeia comercial mais vasta dominada pelos
grandes operadores internacionais. A sua actividade estendia-se da compra de
cortiça à venda de produtos que constituíam matéria-prima para a indústria que
se encontrava em rápida transformação – prancha, apara e os quadros. Novamente
a realidade alentejana reflectiu o panorama nacional, ou seja, a criação de
novos empreendimentos teve um pico durante os anos 1940 para de seguida, a
partir do final dos anos 1950, se acentuar a caducidade das licenças
industriais, acelerando-se este movimento na década de 1960. Desta forma,
muitas pequenas indústrias encerraram ou deslocalizaram-se para outros centros
corticeiros mais importantes como a Margem Sul e, sobretudo, em direcção ao
distrito de Aveiro e a Santa Maria da Feira.