sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

A relação entre pais e filhos no Alentejo Oitocentista

No século XX, a relação entre pais e filhos mudou imenso. Diria que dois fatores, entre muitos outros, contribuíram para esta alteração: o facto dos pais deixarem de encarar os filhos como uma mais-valia na economia familiar e, por outro lado, a quebra da natalidade, já que um bem escasso é sempre mais valorizado do que o seu contrário. Mas isto não é mais do que uma mais ou menos educated guess e, como não sou Antropólogo nem Sociólogo, deixo as análises para os especialistas. 

Se toda esta linguagem vos parece fria, então o que hão-de dizer dos seguintes excertos retirados da obra de José da Silva Picão «Através dos campos: usos e costumes agricolo-alentejanos» publicada, pela primeira vez, em 1903. 

"(...) Dos rapazes, só vão à escola coisa de metade, se tanto, e sòmente quando querem ir. Às mães pouco lhes importa isso, e aos pais menos. (...) Com as raparigas observam-se factos semelhantes (...). Os de um e outro sexo, logo que aos dez ou onze anos principiam a ganhar no campo, passa também a disfrutar maiores carinhos dos pais. Dessa idade em diante, por muitos que sejam numa casa, a todos, os pais ambicionam vida e de todos cuidam com interesse. A amizade cresce em escala proporcional e simultânea com o desenvolvimento dos filhos."

Mas MUITO mais chocante é o relato feito do funeral das crianças.

" (...) Pelo falecimento de crianças, a que vulgarmente se chamam anjinhos, observam-se costumes semelhantes aos dos adultos de classes análogas, havendo, é claro, menos demonstrações de pesar. Alguns, pouco ou nenhum desgosto ocasionam, dada a indiferença de certos pais pela morte de filhos pequenos. Os velatórios decorrem alheios a tristezas. Constituem reuniões prazenteiras, animadíssimas, com atractivos de anedotas, risadas, contos, adivinhações, etc. Até de joga o padre cura! As mulheres menos expansivas, aproveitam o tempo para fazer meia e renda (...)".

Um último comentário. As elevadas taxas de natalidade e de mortalidade infantil banalizavam a morte de crianças, bem como a sua "substituição". Ainda assim, como pai, custa-me imenso imaginar o cenário descrito por Silva Picão!

2 comentários:

  1. O seu "educated guess" está correctíssimo!

    Mas é preciso não esquecer também a revolução da contra-cultura da década de 1960 que foi o último prego no caixão da antiga ordem social...

    Publiquei:

    http://historiamaximus.blogspot.pt/2014/03/a-relacao-entre-pais-e-filhos-no.html

    Cumpts,
    João José Horta Nobre

    Contacto: historiamaximus@hotmail.com

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  2. Obrigado João ;) Quando passar por Ponte de Sor (se passar) avise!

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