quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Expansão da área de montado de sobro: algumas dúvidas e problemas


Devido à crescente importância da exploração de cortiça, na segunda metade do século XIX, existiu um aumento da produção desta matéria-prima, ao qual correspondeu, naturalmente, uma expansão da área de sobreiros. Assim, no final de Oitocentos, a superfície de montado de sobro alentejano teria quase triplicado (MARTINS 2005, p. 246). 

Tem sido defendido que não existiu qualquer política pública de fomento florestal que favorecesse a expansão da área de montado de sobro, tendo a mesma cabido exclusivamente à iniciativa privada, adiantando-se ainda que os sobreiros vieram ocupar terrenos previamente incultos. Desta forma, o aumento da superfície de montado de sobro ter-se-ia feito essencialmente com recurso a pequenos investimentos, visto que os seus executantes se limitaram ao aproveitamento da regeneração natural do sobreiro, ao invés de recorrerem a técnicas mais exigentes como a sementeira ou a plantação (Mendes 2002, 46–49).

Este facto acaba por ser um pouco estranho, na minha opinião, devido, precisamente, ao peso que a cortiça  tinha, neste período, na economia portuguesa. Mas parece que poderá corresponder à realidade. Ontem, encontrei um relatório do Conselho Distrital de Agricultura de Beja, datado de 1904, que, após ter assinalado a produção de cortiça como uma das principais do distrito, sobretudo no concelho de Odemira, previa uma dotação orçamental significativa na aquisição de penisco (sementes de Pinheiro) para a florestação da Serra do Caldeirão, no concelho de Mértola.  

Será que, naquele solo específico, o sobreiro tem dificuldades de implantação? Na realidade, ao atendermos à produção de cortiça, em 1916, a verdade é que na região do Sudeste de Portugal - concelhos de Serpa, Mértola, Alcoutim, Castro Marim e Vila Real de Santo António -  a produção é quase nula, com exceção de Alcoutim, onde mesmo assim se afigura como bastante modesta. 

Figura 1 - Distribuição da produção concelhia de cortiça em Portugal (1916-18)



Neste caso, o mapa geral de Vieira Natividade tem de ser olhado meramente como indicativo e não como possuindo grande detalhe.

Figura 2 - Distribuição  "natural" do sobreiro 



Ou será que a exploração de madeira de pinho era também ela bastante lucrativa? Talvez, nas serranias de Mértola, o pinheiro tivesse uma melhor adaptação ao terreno. Por outro lado, o principal objetivo desta florestação era estabilizar o solo mertolense, permitindo que, no Inverno, a água das chuvas não provocasse inundações nos vales semeados, e, no Verão, que a humidade do solo não se evaporasse rapidamente. Será que o sobreiro não cumpre tão bem estas funções?

Mas mesmo que assim seja neste caso específico, a verdade é que o Estado investiu uma soma na sementeira florestal (50 mil réis), porque motivo não o fez em relação à principal produção florestal portuguesa da época? Ou será que o fez e o assunto está por investigar?

Por último, uma pergunta muito mais ambiciosa e geral. Revisitando o trabalho clássico de Jaime Reis (Reis 1993) será que, no caso do Estado (mas não só) ter apostado no aumento da produção corticeira, e, ao mesmo tempo, promovido a indústria corticeira portuguesa transformadora, poderia este setor ter conduzido à convergência da economia portuguesa com os países mais desenvolvidos, devido ao efeito de arrastamento das exportações corticeiras no conjunto global da economia nacional? O autor diz-nos que a produção deste matéria-prima teria que ser, no final do século XIX, consideravelmente maior para que isso pudesse acontecer, sendo que, neste período, já não restavam grandes quantidades de terrenos com condições apropriadas para o alargamento da superfície de montado de sobro. Assim, a extração de cortiça continuou a crescer, mas de forma lenta, atingido as 93 mil toneladas em 1913.

Porém, ela andou próxima das 200 mil toneladas no início dos anos 1950, ou seja, de alguma forma ela acabou por crescer bastante e não me parece (acho eu) que tenha existido, entretanto, alguma inovação técnica que tenha tornado possível plantar sobreiros em solos mais pobres. 

Será que, com uma política concertada desde meados do século XIX, teria sido possível chegar-se ao início do século XX com elevados níveis de produção, desencadeando o processo atrás referido? Mas a questão é um pouco mais complexa, já que o aproveitamento da cortiça de pior qualidade só se tornou possível com a diversificação de produtos industriais (entre os quais o aglomerado de cortiça) que a Portugal só chegaram já no século XX. Desta forma, talvez esta última questão seja, na realidade, uma falsa questão com pouca pertinência, ou talvez todas estas o sejam, mas é algo que terei que compreender, com a ajuda de quem percebe mais disto do que eu.

Bibliografia:


Martins, M.C. Andrade. 2005. «A agricultura». Em História Económica de Portugal, 1700-2000, by Pedro Lains e Álvaro Ferreira da Silva, Vol. II: O século XIX:219–259. Lisboa: ICS.

Mendes, Américo Carvalho. 2002. A economia do sector da cortiça em Portugal: Evolução das actividades de produção e de transformação ao longo dos séculos XIX e XX. Working Paper. Porto: Universidade Católica Portuguesa.

Natividade, J. Vieira. 1950. Subericultura. Lisboa: Ministério da Economia - Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas.

Reis, Jaime. 1993. O atraso económico português em perspectiva histórica : estudos sobre a economia portuguesa na segunda metade do século XIX, 1850-1930. Lisboa: Impr. Nacional Casa da Moeda.

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