Há dias assisti, no ICS/UL, a uma comunicação que analisava as despesas actuais do Estado português. Ora entre os diversos dados que o autor colocou à disposição da audiência, retive que a correlação entre a despesa do Estado e o envelhecimento da população portuguesa é de 0,92, isto é, à medida que o número de idosos cresce, em igual medida - porque a correlação é quase perfeita - crescem as despesas do Estado.
Sabendo que o número de nascimentos por mulher em Portugal é de somente 1,3 estando, desta forma, bastante abaixo da taxa de renovação de gerações que se situa nos 2,1; que algumas estimativas apontam para uma emigração entre os jovens na ordem dos 50.000 portugueses nos últimos 5 anos; e, por último, que Portugal tem 1,2 Milhões de desempregados, dos quais quase cerca de 35% são jovens, estamos perante a tempestade perfeita!
Assim, tendo em conta todos estes dados, só posso supor que a despesa do Estado vai aumentar até voltar a ser insustentável, ao que se seguirão novos cortes, e mais cortes, até sabe-se lá quando. Uma solução possível é alterar o modo de financiamento da Segurança Social - já que são os 3 milhões de pensionistas que tornam esta correlação quase perfeita -, talvez baseando-o em impostos, pois não me parece muito admissível que se corte muito mais no valor das pensões (tirando talvez as de "luxo", mas não sei até que ponto elas "pesam" assim tanto nesta equação)
O que estranho é que quando era criança lembro-me do meu pai falar nisto. Ora não tendo o meu pai qualquer posição de destaque na sociedade, nem tão-pouco alguma vez se empenhou a fundo no estudo desta questão, eu pergunto-me porque raio nenhum dos nossos dirigentes procurou antecipar este problema? Será incompetência ou simplesmente um relaxamento pelo facto do problema não se fazer ainda sentir durante o seu ciclo político?
Caro Carlos,
ResponderEliminaro senhor seu pai, apesar de não ser um cidadão destacado da nossa sociedade, pelo que quer que seja, é destacadamente inteligente.Assim sendo, e com base nos dados que possuía, aliado a uma 'cultura geral' fora do comum ( nas mais destacadas e variadas matérias), nomeadamente na área de economia e política, bastou-lhe para tal o recurso ao pensamento dedutivo para dizer o que menciona no sei texto.
MF
Pois mas certamente não será o senhor meu pai o único português inteligente.
ResponderEliminarIsto vai ter de ir em dois fascículos, mas tanto pior :)
ResponderEliminarTOMO I
Há vários factores por trás de tudo isto. Uns mais concretos, outros mais filosóficos, mas todos conducentes à situação onde hoje nos encontramos. Para já, fica a nota de que usarei amplamente a contracção SS (para Segurança Social) sem quaisquer comparações de mau gosto ou alusões depreciativas.
25 de Abril. Nova ideia de sociedade mais justa e solidária, repartição da riqueza, rede social que nos amparasse na carência e que, ao mesmo tempo, promovesse o futuro.
Porque, veja bem, tempos houve em que a SS era vista como um motor de desenvolvimento (menos pobreza, mais consumo = melhor e mais dinâmica económica) e não como sorvedouro e entrave "socialista". Relembro que - até aqui - fora umas caixas mais ou menos corporativas, não havia uma SS universal.
Problemas:
Muitos - a esmagadora maioria - dos reformados de hoje nem nunca sequer descontaram para as (miseráveis) reformas que têm.
Se imaginar quanto descontava um trabalhador de 1974 a 2001 (e na tremenda evolução / inflação da economia) isto ainda se torna mais complexo.
Por isso é que, durante anos mais "cavaquistas" a reforma era calculada com base nos melhores 10 dos ultimos 15 anos. O que, por um lado, era lógico (desenvolvimento recente, paridade com a "natural" progressão salarial, protecção vs. flutuações pós-Abril) mas que, por outro, enfermava da permeabilidade à mete-nojice tão tradicional portuguesa:
Muitos passavam a vida a descontar o mínimo e nos ultimos 10 anos "injectavam-se" (ah empreendedorismo privado à portuguesa) salários de nababos para beneficiar de reformas chorudas.
Conheço casos milagrosos, veja lá, de tipos que passavam do salário mínimo para ordenados de mil e tal contos mais ou menos 10 anos antes de "meter a papelada". Sorte? Não! Dinamismo.
Naturalmente, há o problema demográfico: cada vez menos gente a trabalhar e cada vez mais a viver de abonos, subsidios, pensões e o diabo a sete de uma SS que mais parece a Segurança Social (repare-se no trocadilho bem disposto).
TOMO II
ResponderEliminarMas o que mais nos quilhou (quando ainda podiamos e quando o conceito de SS não era desprezado) foi, enfim, a chico-espertice nacional.
. Descontar? "Chiça! T'arrenego, cambada de chulos."
. Esquemas, marteladas, encostos, expedientes, ganchinhos etc e tal
. Sabia, por curiosidade, que nos gloriosos tempos era possível comprar - literalmente - anos para acelerar a reforma?
. Sabe quanta gente se reformou com 40 e tal, cinquenta e pouco, e que ainda hoje vive (felizmente, repare-se) vidas tranquilas e saudáveis?
. Sabe que há gente a receber reforma há mais anos do que aqueles do que trabalhou? De certeza que não os ouvirá a promover a justiça no sistema (quanto muito um "não me aumentam a reforma, cambada")
Não fosse o desgraçado do Socrates e do Vieira da Silva e a situação ainda se manteria. Hoje, felizmente, temos uma SS mais sutentável a prazo (e cuja reforma mereceu muitos elogios e olhinhos gulosos), baseada ao longa da carreira contributiva e indexada à esperança média de vida. Gerou muita discórdia, mas é o que temos.
Mas repare o CF: Se descontar 11% de um ordenado de 100 euros, suponhamos, contribui anualmente com 1400 euros. Vezes 40 = 56.000 + juros, o que perfará pouco mais. Isto, claro, se nunca estiver desempregado, doente ou a parir / tomar conta de criancinhas ao longo da sua vida contributiva.
A sustentabilidade da coisa baseia-se em dois factores: juros dos fundos de pensões e, claro, na torrente de novos contribuintes.
Temos hoje, claro, problemas que não se colocavam já 38 anos. Mais gente, mais desemprego, mais custos. Mas também só agora é que podemos ter uma SS estritamente suportada por todos os trabalhadores (sem esquecer que, dado o passado recente do nosso país, ainda pagamos reformas de pessoas que nunca contribuiram ou que só o fizeram parcialmente).
Na altura não era inviável: era vista como uma função (e logo uma despesa) do Estado.
O Exército gasta dinheiro. A Segurança gasta dinheiro. A Educação gasta dinheiro. Porque caraças não há-de o "seguro" que nos garante o sustento nos dias de chuva, na doença e na velhice, gastar dinheiro?
Se não, onde gastar o dinheiro? Em submarinos? Em assessores? Em piscinas municipais e rotundas?
Repare no seguinte. Sou 100% a favor da racionalização do sistema. Mas isto a que hoje estamos a assistir, mais que criminoso, vai levar-nos a um caminho muito perigoso. De retracção económica e social.
Esta gente - que vive de barriga cheia e tem mesmo muito pouca memória - esquece-se (e não tem a visão para perceber) que a SS é o grande segredo do desenvolvimento da Europa na última metade do séc. XX.
E que é - de longe - a maior, mais nobre e mais importante função do Estado!
Gonçalo,
ResponderEliminarO que diz é tudo verdade e também conheço exemplos para todos os gostos:
Uma avó que se reformou com 52 anos;
Uma prima de outra avó que descontou uma brutalidade nos últimos 10 anos como contribuinte;
- etc, etc.
Porém, a questão mantêm-se ninguém quis saber disto ou, provavelmente, preferiu empurrar com a barriga e o próximo que pagasse a conta.
Sabe ando a estudar o sector da cortiça. Descobri que durante o Estado Novo hoje um plano para a florestação com sobreiros de 30 anos!! Hoje governa-se no curto prazo, é um dos grandes males da nossa "democracia"
CF, é obvio que num sistema estático - que não prevê a rotatividade do Governo e que não precisa de se preocupar com índices de popularidade - os governantes estão mais à vontade para planear a longo prazo.
EliminarDepois, entendamo-nos, há também que colocar tudo nas devidas proporções. Por exemplo: li documentos de arquivo da GNR onde, há solicitação de 8 metros de rede para fazer um galinheiro num posto fronteiriço da guarda, o próprio salazar autoriza 6 e recomendava fazer o galinheiro encostado à parede.
Tudo isto é "simpático" para um certa mundivisão das coisas mas seria perfeita e totalmente descabido no contexto actual. Há simplesmente demasiadas coisas para controlar. Como temos de depender de middle management, vai sempre ser impossível (e injusto) atribuir responsabilidades pelos "pintelhos" a este ou aquele governante.
O problema é, como compreenderá, bastante complexo e terá a ver com uma mescla de:
- Pouca cultura democrática (democracia ainda muito recente)
- Baixa instrução e literacia (maior permeabilidade à comunicação social e aos "doutores" comentadores)
- Fraquíssima politização / politização radical (desinteresse por um lado, sectarismo por outro)
- Media cada vez mais constrangidos pela situação (mas nunca declaradamente alinhados)
- Lobbies muito vorazes (e corporativistas)
Como já terá, talvez, calculado, baseio muito o meu pensamento político na carga de condicionantes sociais, comportamentais, políticos e económicos que ainda acarretamos do antigo regime e da confusão que se seguiu ao 25 de Abril.
"Hoje" governa-se a curto prazo porque as pessoas não têm aínda a dimensão política que lhes permita uma apreciação mais fundamentada dos políticos. O caso do Sócrates é um case study. Para o bem e para o mal, para viúvas apologistas e viúvas críticas.
O do Cavaco outro. Como é que um tipo que foi "corrido" da legislatura da forma como foi - um cepo esfíngico, incapaz de distinguir um queijo de 12 kilos de um queijo de 2 (sic) - é capaz de reunir ainda o capital de tantos e tão prestáveis comentadores e opinion makers é algo que, sinceramente, me ultrapassa.
Ou seja, tudo isto para dizer que o mal não é dos governantes. É dos governados. E enquanto não pusermos isto na cabeça, ficaremos sempre na cepa torta.
Porque gostamos de apontar dedos, gostamos de criticar a autoridade e a figura mais ou menos intangível do estado (e dos ladrões dos governantes) mas não somos nunca capazes de ver o proverbial cisco no nosso próprio olho.
É a nossa imaturidade democrática que propicia toda esta situação. Se é um dos "males" da democracia? Claro (Churchill não o diria melhor). Mas é o preço a pagar.
Gonçalo,
EliminarNão posso, mais uma vez, se não deixar de concordar com o que diz. Neste caso não acrescento nem tiro uma vírgula. Aliás há dias ouvi uma entrevista da Filomena Mónica na Sic, e embora 70% das coisas que ela diz dão-me volta ao estômago, ela fez a metáfora perfeita do português: O Zé Povinho. O Zé Povinho subserviente e que faz o mangito ao patrão, mas só nas costas claro. O Zé Povinho que critica, mas não passa de um carneiro lambe-botas perante o poder instituído e, claro, sempre pronto a mudar de camisola consoante as circunstâncias. Ou seja, sim temos um brutal défice democrático por parte de todos (do PR ao simples cidadão); somos semi-analfabetos e, também por isso, despolitizados; os media vão ao encontro dos gostos do seu público, isto é, do tal público semi-analfabeto; e, por último, existem lobbies fortíssimos como, por exemplo, o dos médicos que já aqui falei.
Caro menvp,
ResponderEliminarCreio que se afasta um pouco do tema deste post. Em relação às greves gerais (da CGTP e, raramente, da UGT também) a minha opinião é esta
http://sobreaponte.blogspot.com/2011/11/inutilidade-e-obsolescencia-da-greve.html
Os portugueses são otários? Sem dúvida pelo que diz e por muito mais, mas em breve escrevei sobre isso.
Quem silenciou os Medinas Carreiras? Acho que ninguém, simplesmente também poucas pessoas influentes ligam ao que ele fala.