A minha reflexão de hoje é dedicada a duas pessoas com quem mantive uma discussão sobre a situação da "juventude" em Portugal. Tratam-se do Dr. José António Furtado, director da Biblioteca de Arte da Gulbenkian e da Dr. Maria José Moura, usualmente apelidada, com toda a justiça, de "mãe" da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas.
São duas pessoas que de certa forma admiro, pois embora não os conheça pessoalmente, sei bem do extraordinário trabalho que desenvolveram durante décadas.
O texto que se segue apenas reflecte as minhas posições pessoais, no entanto, creio que falo por milhares que se sentem como eu.
Meus Caros,
Quando há poucos dias vi uma fotografia dos colaboradores da Biblioteca de Arte da Gulbenkian, não pude deixar de notar que não existia ninguém abaixo dos 35 anos de idade. Infelizmente este panorama é somente um espelho de Portugal. A sociedade simplesmente não tem lugar para nós, dificilmente podemos pagar uma renda de casa. Não temos os mais elementares direitos que vocês usufruíram grande parte da vossa vida, é nos quase proibido ter filhos, ficar doentes é um luxo e ter férias, na verdadeira acepção da palavra, é uma anedota. Qualquer imprevisto atira-nos para o limiar da sobrevivência, tal e qual como o historiador britânico Robert Allen assinalou para a Europa pré-industrial.
Alguns de nós foram péssimos estudantes e maus trabalhadores, outros foram excelentes estudantes e têm uma vontade incrível de trabalhar e de contribuir activamente para a sociedade. Contudo, salvo raras excepções, nem uns, nem outros conseguem inserir-se devidamente no mercado laboral português. Lamento, podem argumentar com o que quiserem, mas isto não se passava nos anos 1990, nos anos 1980, nem tão-pouco nos anos 1970.
Assim, quando vejo uma instituição de excelência como a BA/FCG cujo quadro de pessoal não possui um único jovem, não posso deixar de assinalar esse infeliz acontecimento. Vejo-o com tristeza, pois é óbvio que essa situação prejudica ou prejudicará o funcionamento da instituição, mas também com revolta, porque por mais que nós nos façamos só encontramos portas fechadas. Acabamos por viver num Apartheid, onde uma parte significativa da população é excluída e marginalizada com base apenas num único "crime": a sua data de nascimento.
Gostava que reflectissem muito bem naquilo que vos digo.
Carlos Manuel Faísca