quinta-feira, 18 de julho de 2013

A origem histórica do vinho Alentejano


Não há. Ou melhor, claro que existe, mas é bastante recente, em termos quantitativos, do que à partida se poderia esperar, pois, na realidade, o Alentejo era, até sensivelmente os anos 1980, uma região com pouca produção de vinho. Este facto já se fazia sentir em meados do século XIX, conforme se pode verificar na Figura 1.

Figura 1 - Produção distrital de vinho (1882-1885)

Fonte: http://www.ruralportugal.ics.ul.pt/ (em breve disponível nas bases de dados)

Contudo, setenta anos mais tarde, como é visível na Figura 2, o panorama afigurava-se praticamente inalterado, com a produção vinícola alentejana a se pautar por um carácter ainda mais residual no contexto nacional do que no final da centúria de Oitocentos.

                                      Figura 2 - Produção distrital de vinho (1950-1954)

Fonte: Estatísticas Agrícolas (INE)

De facto, a agricultura portuguesa sofreu muitas alterações nas últimas décadas, muito para além da sua conhecida quebra no conjunto da atividade económica nacional. Foram vencidos alguns constrangimentos ecológicos, muito por força dos trabalhos de hidráulica agrícola, assim como a política económica para o setor alterou-se radicalmente à medida que a «lavoura», entre outros factores, se industrializou trazendo boas - especialização, aumento produtivo - e más consequências - perda de biodiversidade. 

Este tipo de questões só podem ser compreendidas à luz de uma visão de longa duração que, esperançosamente, o projeto Agriculture in Portugal: Food, Development and Sustainability (1870-2010) irá conceder.

Quanto ao caso do vinho alentejano, certamente há quem saiba os motivos da ausência tardia. Recordo-me de alguém me falar na proibição da plantação de vinhas no Alentejo, mas sinceramente ainda não sei responder com precisão. Se algum dos leitores souber, por favor deixe o seu contributo na caixa de comentários.

sábado, 13 de julho de 2013

Sistema de pesos e medidas do concelho dos Olivais

As pessoas mais velhas certamente sabem que o actual sistema métrico-decimal é relativamente recente pois, apesar de ter sido instituído legalmente em Dezembro de 1852, as anteriores terminologias permaneceram no vocabulário popular até meados do século XX. Assim, termos como alqueires, almudes, arrobas ou arratéis são ainda relativamente conhecidos no seio das populações mais idosas, embora muitos já não saibam ao que correspondem concretamente.


O que poucos sabem é da variedade de pesos e, sobretudo, da extraordinária diversidade regional de medidas que vigoraram desde a Idade Média até meados do século XIX, com origens diversas repartidas entre influências europeias, árabes e romanas. Esta heterogeneidade traduziu-se numa grande disparidade de medidas entre concelhos de uma mesma região e, inclusivamente, através de diferenças bastante significativas entre concelhos limítrofes. Facilmente se compreende como toda esta situação em muito prejudicava a actividade económica e o comércio, facto que desde cedo não escapou ao poder central.


Embora o assunto já tenha sido abordado nas cortes de Lisboa de 1455, foi com o advento do Estado Moderno, num período em que a Coroa procurou reforçar a sua autoridade, que se empreenderam os primeiros grandes esforços de normalização do sistema de pesos e medidas.


 No reinado de D. Manuel I (1495-1522), legislou-se nesse sentido, porém, estas medidas tiveram um alcance bastante limitado. A provar a ineficácia do esforço manuelino, ainda na mesma centúria, em 1575, D. Sebastião volta a insistir na necessidade de uma reforma, muito embora este monarca se centre apenas nas medidas de capacidade, mantendo o sistema de pesos inalterado. Sabemos que nesta última reforma foram enviados padrões para os principais centros urbanos, regulados pela medida de Lisboa, que entretanto fora adoptada como medida padrão para o conjunto do Reino.

Infelizmente também não será esta reforma que irá conseguir resolver toda esta problemática, como verificaram muito posteriormente os diversos membros da Comissão Encarregada de tratar da Reforma dos Pesos e Medidas, constituída já no início do século XIX. Como exemplo, podemos citar Sebastião Francisco Mendo de Trigoso, um dos mais proeminentes membros desta comissão e da Academia das Ciências de Lisboa (instituição que teve um papel essencial de liderança em todo este processo) que, acerca da implementação da reforma de 1575, é peremptório em afirmar: “ É constante que poucas foram as Câmaras que deram cumprimento à sábia lei d’esse Soberano.”

Figura 1 - Caixa de pesos e medidas

Após estas duas iniciativas infrutíferas, segue-se um longo hiato em que o assunto parece estar afastado da sociedade portuguesa, tendo sido apenas quebrado em 1804, após a publicação da “Tabella Comparativa dos Pesos e Medidas de Portugal com os Pesos e Medidas da França”. Esta, como o título indica, estabeleceu a comparação dos pesos e medidas nacionais com o sistema métrico decimal, originário de França e aí adoptado em plena Revolução Francesa, durante o ano de 1791. Não tardou muito que a introdução deste sistema em Portugal fosse amplamente defendida, desde logo, em 1812, pela Comissão Encarregada do Exame dos Forais e Melhoramento da Agricultura, que sugere, entre outras «providências úteis», o estabelecimento da “uniformidade dos Pesos e Medidas”.

Iniciava-se, desta forma, o processo de adopção definitiva do Sistema Métrico Decimal. Contudo, tratou-se de um processo que esteve muito longe de ter sido pacífico ou rápido e, inclusivamente, foi proposto, sem qualquer sucesso, um sistema misto que era em tudo semelhante ao mètre francês, mas que por razões políticas e de conveniência de aplicação mantinha a terminologia portuguesa, designada por “mão travessa”. Concretamente, as diferentes unidades “tradicionais” portuguesas passariam a ser equivalentes às suas congéneres do sistema métrico decimal. Assim, por exemplo, manter-se-ia a designação de canada alterando-se a sua capacidade e tornando-a equivalente à do litro; o mesmo aconteceria entre o arrátel e o quilograma, e assim sucessivamente.


Foi neste contexto que, em 1814, D. João VI manda executar no Arsenal do Exército trezentos conjuntos de padrões de peso e medidas de acordo com o novo sistema métrico decimal. No entanto, como é sabido, a primeira metade do século XIX português foi pautada por uma grande instabilidade política e, novamente, a aplicação de uma nova reforma metrológica foi adiada. Foi então que Constantino Lobo, Lente da Universidade de Coimbra, se queixa de um sistema que “causa grave detrimento ao Commercio, ou pela matéria, de que são feitos, ou pela pouca exactidão, que elles tem.”. O autor alertava para a facilidade com que se podiam falsificar pesos e medidas, sobretudo pelo facto de muitos serem feitos de madeira ou de metais que se oxidam com facilidade, tais como o latão ou o ferro.

Finalmente, em Dezembro de 1852, adoptou-se o Sistema Métrico Decimal tal e qual como o conhecemos hoje, tendo sido estipulado um prazo de dez anos para a sua entrada em vigor. A partir do primeiro de Janeiro de 1860 ficaram oficialmente abolidos todos os anteriores pesos e medidas; todavia, a sua utilização prolongou-se no tempo, mesmo apesar das multas a que estavam sujeitos todos aqueles que não cumprissem o novo decreto.


Figura 2 - Medidas do concelho dos Olivais
Fonte: Silveira (1868)
Como já referimos, muitos concelhos portugueses possuíam as suas próprias medidas, não constituindo o extinto concelho dos Olivais qualquer exceção. Assim, reproduzimos aqui as capacidades das medidas do concelho dos Olivais que, como podem verificar nos Quadros 1 e 2, era diferentes do vizinho concelho de Lisboa, quer nas medidas para líquidos, utilizadas para produtos como vinho, azeite e aguardente; quer nas medidas de sólidos, normalmente empregues para cereais e leguminosas, como trigo, centeio, milho, arroz ou feijão.
Quadro 1 - Capacidade, em litros, das medidas para líquidos dos concelhos dos Olivais e de Lisboa

Para a mente contemporânea é de difícil compreensão como dois concelhos limítrofes pudessem ter diferenças nos seus sistemas de pesos e medidas, com importantes implicações no quotidiano das populações. Todavia, foi assim no Antigo Regime e até meados do século XIX, não só nesta questão mas também noutras, como, por exemplo, o complicado direito de propriedade. E é com esta complexidade que quem pretende reconstituir o passado terá inevitavelmente que lidar.
Quadro 2 - Capacidade, em litros, das medidas para secos dos concelhos dos Olivais e de Lisboa


Para consultar os pesos e medidas de todos os concelhos de Portugal: 

SILVEIRA, Joaquim Fradesso da - Mappas das medidas do novo systema legal: comparadas com as antigas nos diversos concelhos do reino e ilhas. Lisboa, Imprensa Nacional, 1868.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Alguns dos usos e limites da Cliometria

Começo a publicar alguns dos trabalhos que realizei na componente letiva do meu doutoramento que, por sua vez, alguns foram publicados em Revistas especializadas em História. Hoje trago uma discussão que fiz sobre a Cliometria, tendo como ponto de partida um conhecido trabalho de Fernando Rosas. Deixo apenas dois pequenos trechos porque, caso estejam interessados, podem ler o artigo na íntegra aqui.


Alguns dos usos e limites da Cliometria

O uso de sofisticados métodos quantitativos de origem econométrica, assim como o recurso à teoria económica no estudo da história económica, a partir da década de 1960, levantaram um intenso
debate académico sobre as limitações que estas abordagens teriam à luz das particularidades do processo
histórico. Embora este debate tenha tendido para a sua «pacificação», na historiografia portuguesa perdurou
(e perdura?) até recentemente (Cardoso 2011, 488–494). Este trabalho parte precisamente de uma
publicação da autoria do historiador português Fernando Rosas, analisando somente as principais críticas
que este autor apresenta. Desta forma, muitos outros aspetos relacionados com a cliometria, e passíveis
de uma séria reflexão historiográfica, são intencionalmente ignorados. São os casos do recurso à
história contrafactual, do(s) método(s) como se constroem estatísticas retrospetivas e ainda da minuciosa
crítica de fontes a que devem ser sujeitas as estatísticas produzidas coevamente. Na realidade, o uso da
cliometria é um objeto de estudo que, do ponto de vista metodológico, pode ser perfeitamente tratado
através de uma exaustiva monografia, mesmo que limitado ao caso português, não obstante a modesta
disseminação da cliometria na historiografía económica nacional quando comparada com outros países.

(...)

Uma crítica à cliometria.

Ao estudar a economia e a política económica do Estado Novo, Fernando Rosas critica as abordagens de carácter cliométrico. Segundo este autor, partindo de modelos “(…) irredutíveis, quase sempre, a variáveis quantificáveis, à causalidade ou a abordagens monocausais (…)” (Rosas 2000, 15), fruto da aplicação à história da teoria económica neoclássica, a «nova história económica» reduziu-se à simplificação das explicações “(…) de tipo monocausal e reducionista (…)” (Rosas 2000, 14), ignorando outro tipo de raciocínios e explicações fundamentados na análise de outros géneros de fontes não mensuráveis, nomeadamente, neste caso específico, de carácter político. Por outro lado, os trabalhos cliométricos reproduzem as limitações inerentes aos “(…) pressupostos ideológicos de equilíbrio daquela escola económica [neoclássica] (…)” (Rosas 2000, 15). Adicionalmente, a transposição de conceitos e modelos económicos formulados contemporaneamente para o passado trouxe a este tipo de estudos o pior dos pecados do historiador, o anacronismo. Este autor, embora de forma pouco expressiva, acaba ainda por estender o seu ceticismo às “(…) realidades económicas dos séculos passados (…)” (Rosas 2000, 15), depreendendo-se que as suas críticas não se aplicam somente à análise cliométrica da economia portuguesa durante o Estado Novo.
As críticas apontadas têm, evidentemente, legítimas preocupações historiográficas, pelo que algumas também têm sido notadas por outros autores, quer cronologicamente a jusante (Ramos 1988), quer a montante (Tosh e Lang 2009). Estas refletem, na minha opinião, alguns dos limites e riscos da cliometria sem que, no entanto, se possam aplicar sistematicamente ao trabalho cliométrico, sobretudo tendo em conta as alterações metodológicas que este tem sofrido desde meados da década de 1980 (Greif 1997), através do reforço da contextualização histórica, da diversificação das teorias económicas de onde partem os modelos teóricos com que são construídas as hipóteses, e da adaptação destas a um determinado contexto histórico.

domingo, 7 de julho de 2013

Livro do Município, Memória Viva (Ponte de Sor)




Amanhã, pelas 19h00, no auditório do Centro de Artes e Cultura de Ponte de Sor será lançado o livro intitulado "Livro do Município, Memória Viva". Tivemos (eu e a Ana Isabel) o enorme prazer de participar nesta obra que resultou de uma parceria entre a Associação Nova Cultura, a Staurós e a Câmara Municipal de Ponte de Sor. A mesma, embora não se trate de um livro de História, reúne diversos documentos históricos, essencialmente fotografias, que retratam os principais aspetos da vida no concelho de Ponte de Sor, nos últimos cento e cinquenta anos.

É com enorme prazer que estarei presente.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Arquivo Histórico Municipal de Ponte de Sor | Documentos do mês | julho/agosto 2013 | 28.º Aniversário da elevação de Ponte de Sor a cidade (8 julho 1985)


Nos meses de julho e agosto, o "Documento do mês" associa-se à comemoração do aniversário da elevação de Ponte de Sor a cidade, concretizada pela Lei n.º 35/85, de 14 de agosto, aprovada no dia 8 de julho de 1985. O principal documento exposto é o processo que deu origem a essa alteração de categoria, enviado pela Assembleia da República ao Município de Ponte de Sor em setembro do referido ano e atualmente conservado no Arquivo Histórico Municipal. Do processo consta, entre outros documentos, cópia do Projeto de Lei N.º 222/III, para a «Elevação da vila de Ponte de Sor à categoria de cidade», datado de 18 de outubro de 1983 e da autoria de cinco deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista. Considerava-se então ser tal mudança «imperativo local bem justificado, não só pelo já antigo anseio local expresso nesse sentido, mas também pelas caraterísticas de dinamismo e de trabalho que tornam esta localidade importante centro económico na região». Na verdade, eram sobretudo de caráter económico as razões apontadas em defesa da subida de categoria, destacando-se a «excelente localização da vila», que a tornou «um centro de primeira importância nesta região, não só por ser local de passagem obrigatória para os que se deslocam no sentido Lisboa-Beira Baixa, mas também por ser um importante centro corticeiro, cerealífero e produtor de azeite». Eram igualmente referidas as diversas indústrias existentes na localidade, inclusivamente a turística, para a qual se previa então um grande desenvolvimento, potenciado pela Barragem de Montargil, bem como o papel comercial da vila, que ainda se aferia pelo impacto da Feira de Outubro, considerada «uma daquelas onde se faz maior volume de transações no Alentejo».

Recuando mais de 550 anos, associamos ao citado processo uma carta régia de D. João I, passada em 1428, na qual Ponte de Sor, até então referida em documentos emanados da Coroa como «pobra» ou póvoa (povoação), é pela primeira vez mencionada como «vila». Na sequência dos incentivos régios ao povoamento desta localidade, que começaram com uma carta de privilégios aos moradores outorgada por D. Dinis em 1310, e face à preocupação com a partida de alguns habitantes, que abandonavam casas e propriedades, D. João II reafirmava as concessões feitas pelos reis seus antepassados a quem se fixasse em Ponte de Sor, concedendo ainda novos privilégios. Os monarcas seguintes (D. Duarte e D. Afonso V) insistiriam na atribuição de benesses aos moradores desta terra reguenga, até à outorga do Foral Manuelino (1514).

Documento 1
1428 dezembro 1, Lisboa  – Carta régia de D. João I, em resposta ao pedido de João Lourenço, Vicente Carvalho (juiz), Afonso Esteves (procurador), Afonso Lopes (tabelião) e outros vizinhos e moradores de Ponte de Sor, pela qual confirmava os privilégios e liberdades concedidos pelos seus antepassados à Vila e isentava os seus moradores e os que aí tivessem vendas e estalagens do serviço militar (servir «per mar nem per terra») e do pagamento de diversos impostos lançados pela Coroa ou pelos concelhos (peitas, fintas e talhas). Para além disso, devido à partida de alguns moradores, que abandonavam casas e propriedades, mandava que quem tivesse bens no dito lugar os habitasse, ou seriam entregues a outras pessoas que os «vaão morar e pobrar». ANTT, Leitura Nova, lv. 6 Guadiana, fls. 232-232v. Reprodução de microfilme (MF 994).

Documento 2
1985 setembro 17, Lisboa – Ofício do Gabinete da Presidência da Assembleia da República dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de Ponte de Sor, remetendo «as peças componentes do Processo que deu origem à elevação de Ponte de Sor à categoria de cidade». Trata-se de um conjunto de documentos (na maioria, fotocópias dos originais) reunidos e encadernados em capa própria, entre os quais o Projeto de Lei n.º 222/III, que deu entrada na Assembleia da República no dia 18 de outubro de 1983; exemplares do Diário da Assembleia da República de 26 de junho de 1985, data em que foi apresentado o relatório da Comissão de Administração Interna e Poder Local sobre o Projeto de Lei, e de 9 de julho do mesmo ano, em que este foi aprovado. AHMPS, Assembleia da República. Diploma legal. Autarquia.