sábado, 2 de fevereiro de 2013

Ponte de Sor como local de passagem: entre reis e pedintes (séculos XIV-XIX)


Em fevereiro, os "Documentos do mês" do Arquivo Municipal de Ponte de Sor articulam-se com mais uma edição do ciclo “Encontros com a História”, que consistirá numa conferência proferida no Centro de Artes e Cultura no dia 23, pelas 16h00, sob o título “Ponte de Sor como local de passagem: entre reis e pedintes (séculos XIV-XIX)”. A origem e o desenvolvimento históricos de Ponte de Sor estão ligados à sua localização central no País, na confluência das rotas Norte-Sul e Leste-Oeste. Portanto, a atual cidade sempre foi um local de passagem, quer para gente anónima, que se deslocava por motivos de trabalho ou levada pela mendicidade, quer para generais e suas tropas, em trânsito por ocasião de vários conflitos, e inclusivamente para alguns dos nossos reis.

Entre os passantes mais ilustres, temos notícia, ainda no século XIV, de D. Nuno Álvares Pereira, que, de acordo com o cronista Fernão Lopes, esteve perto de ou em Ponte de Sor por duas vezes, no contexto da Crise de 1383-1385. Cerca de meio século mais tarde, em meados de 1438, seria a vez do rei D. Duarte, que, segundo Rui de Pina, «pera repayro dos caminhantes, e alguuma segurança do Regno mandava fazer huma cerca» em Ponte de Sor. Esta acabou por nunca ser concluída, provavelmente devido à morte súbita do rei, que alguns dos seus médicos associaram à passagem por Ponte de Sor, pois aqui «mostrando rijamente com a maaom direyta a altura de um Cubêlo [torreão] que hi mandava fazer, se desencaixara o braço, a que depois correra humor com que se apostemou, de que seu fim se causára». Também D. Manuel I e D. Filipe I de Portugal transitaram por esta Vila, o primeiro por altura do seu terceiro casamento, com a castelhana D. Leonor, em 1518; e D. Filipe vindo de Espanha e dirigindo-se a Tomar, em 1581. Já no final do século XVIII, início do XIX, no contexto das movimentações militares despertadas pela Revolução Francesa, Ponte de Sor foi ponto de passagem das tropas portuguesas em várias ocasiões, como indicam as despesas feitas pelo Município para assegurar travessia da Ribeira do Sor e a estadia dos militares na Vila.

Paralelamente a estas visitas pontuais, houve uma massa de gente anónima em trânsito por Ponte de Sor ao longo dos séculos, que ajudou a construir e moldar a história da Vila, desde a malha urbana, que foi crescendo ao longo da principal via de comunicação, antiga Rua Grande (atual Vaz Monteiro), até ao quotidiano animado pelos viandantes, reclamando a existência de várias estalagens e do Hospital da Misericórdia, que funcionou como albergue até final do século XIX. Os passaportes internos, forma de controlo da população e de combate à vagabundagem implementada em Portugal pela Intendência Geral da Polícia, entre 1760 e 1863, são uma fonte riquíssima para o estudo desses passantes; permitem-nos conhecer, no caso concreto do nosso concelho, quem transitava por Ponte de Sor e porquê ou para onde se dirigiam os habitantes daqui, informações que, por sua vez, são preciosas para a reconstituição da dinâmica socioeconómica desta zona na primeira metade do século XIX.

Documento 1
GÓIS, Damião de – Chronica do Serenissimo Senhor Rei D. Manoel. Lisboa: Officina de Miguel Manescal da Costa, 1749. Parte 4.ª, Cap. XXXIV, p. 512. O terceiro casamento de D. Manuel I, com D. Leonor de Castela, realizou-se por procuração no Verão de 1518, mas os cônjuges só se encontraram em Novembro. Acompanhada por uma comitiva de senhores nobres e eclesiásticos, a Rainha chegou à raia, junto ao Rio Sever, no dia 23 daquele mês e foi depois conduzida ao Crato pelos enviados do Rei, que a aguardava nessa Vila. Damião de Góis conta que, passados ali dois dias de jogos, festas e danças, «el Rei com a Rainha vierão dormir a Ponte do Sor, e ao outro dia a Chamusca», tendo depois seguido para Almeirim. Este relato é confirmado por um bilhete conservado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, dirigido pelo Almotacé-mor do Reino aos Juízes do Sardoal, em 23 de Novembro de 1518, e segundo o qual D. Manuel acabara de receber a notícia da chegada da Rainha e planeava estar em Ponte de Sor na sexta-feira seguinte, dia 26.

Documento 2
1825 Setembro 22, Ponte de Sor – Reprodução do registo de «Passaporte do Intrior para transito de Balthezar Reboxo». Registos como este permitem traçar um retrato completo das pessoas que se deslocavam no país, incluindo: nome, naturalidade e residência, profissão, estado civil, idade, características físicas (altura, formato do rosto, cor dos olhos e do cabelo), para onde viajava, por que motivo e que caminho seguiria. No Arquivo Histórico Municipal de Ponte de Sor, os livros de registo dos passaportes constituem uma série contínua, de 1813 a 1863. AHMPS, Registo de Passaportes da Ponte do Sor 1813-1831, fl. 22.



Documento 3
1858 Setembro 30, Ponte de Sor Reprodução do «Passaporte de Transito» de Ana de Jesus, natural de Abrantes, viúva, caldeireira, para as «deffirentes terras do Reino», levando em sua companhia dois filhos pelos quais respondia. Tinha 35 anos de idade, media 56 polegadas e caraterizava-se por rosto comprido, nariz e boca regulares, cabelo, sobrancelhas e olhos castanhos e cor de pele branca. O passaporte, que devia ser apresentado às autoridades civis nas terras onde a portadora pernoitasse, era válido por 30 dias. AHMPS, Passaportes internos avulsos 1850s-1860s. Agradeço as reproduções fotográficas dos Docs. 2 e 3 ao Sr. Aníbal Oliveira.


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