sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Discutir a agricultura portuguesa na longa duração

Na próxima terça-feira discutir-se-á, no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, a evolução da agricultura portuguesa dos últimos séculos. Não posso adiantar muito sobre o encontro, com exceção da comunicação da qual faço parte. Esta pretende apresentar os objetivos do Portuguese Agriculture Project, assim como uma parte do trabalho que já foi feito e, sobretudo, discutir abordagens, métodos e fontes. 

Uma das novidades deste projeto é a análise regional já que se pretende, entre outros aspetos, estimar o produto agrícola das diferentes regiões portuguesas. Este exercício permitirá continuar a investigação das dinâmicas internas portuguesas, um assunto que a historiografia portuguesa recentemente tem levantado, e que se poderão encontrar (quando sair a Revista) em Faísca, Carlos Manuel. 2013. «Desigualdade regional na Península Ibérica. Ensaio bibliográfico». Revista da Faculdade de Letras: História.



Por outro lado, existe uma grande lacuna documental que impossibilitou, até hoje, a construção de uma série quantitativa de produção agrícola, quer nacional, quer distrital, para as décadas de 70 e 90 do século XIX. Neste sentido, estamos a seguir um roteiro documental que se tem revelado moderadamente frutífero, mas será que é o mais correto? Que outras fontes existirão ainda por explorar? Estas são duas das perguntas que se vão colocar e cuja resposta depende do nosso trabalho, mas também do contributo que outros possam dar. 

Assim, se o assunto for do vosso interesse, façam o favor de aparecer!

P.S. - Neste blog introduziram-se duas novidades: a primeira é uma pequena agenda com os eventos em que os dois autores vão participar, a outra é a inclusão de um breve cv de ambos (a Ana Isabel ainda está em falta). 

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Encontros com a História 2013 | Ponte de Sor como local de passagem: entre reis e pedintes (séculos XIV-XIX)


Convido todos os nossos leitores a participar na conferência subordinada ao tema acima, que realizarei no próximo sábado, dia 23 de Fevereiro, pelas 16h00, no Centro de Artes e Cultura de Ponte de Sor.

A origem e o desenvolvimento históricos de Ponte de Sor estão ligados à sua localização central no País, na confluência das rotas Norte-Sul e Leste-Oeste. Portanto, a atual cidade sempre foi um local de passagem, quer para gente anónima, que se deslocava por motivos de trabalho ou levada pela mendicidade, quer para generais e suas tropas, em trânsito por ocasião de vários conflitos, e inclusivamente para alguns dos nossos reis.

Esta iniciativa integra-se no ciclo Encontros com a História, dedicado à história local e regional de Ponte de Sor, e abrange também Oficinas de História Local, que se realizarão no decurso desta semana, destinadas aos Alunos da Universidade Sénior e a algumas turmas da Escola Secundária de Ponte de Sor, visando estimular o contato direto com as fontes documentais e com a produção historiográfica.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Ciclo de Café com Letras em Ponte de Sor - 2013

Como já tínha anunciado irei organizar, com o apoio do núcleo de Ponte de Sor da Associação Nova Culturaum ciclo de «Café com Letras» que pretende estimular, entre a população local, a reflexão e o debate sobre alguns assuntos de interesse regional, que naturalmente estão inseridos em dinâmicas de âmbito nacional e internacional. O ponto de partida é uma análise histórica de longa duração, levada a cabo por jovens especialistas, para que posteriormente o público em geral, e os pontessorenses em particular, possam contribuir para um debate sobre temas que lhes são próximos e que, ao mesmo tempo, exercem uma grande influência no seu quotidiano.



Assim, no próximo dia 16 de Março, pelas 21h30, na Fábrica do Arroz, em Ponte de Sor, discutir-se-á o negócio corticeiro norte-alentejano, que, desde meados do século XIX, se constituiu como um dos principais elementos da economia regional. Em breve enviaremos um convite com maior detalhe deste primeiro «Café com Letras».

Nos encontros seguintes será abordada a desertificação do Alentejo (Junho de 2013), a partir do exemplo das tentativas de colonização interna da região, durante o Estado Novo; a emigração científica (Setembro de 2013), tendo como base o caso de Joaquim Barradas de Carvalho, um historiador com raízes familiares profundas no concelho de Ponte de Sor; e a desigualdade social e de rendimento (Novembro/Dezembro de 2013).

A estes eventos, junta-se o ciclo de "Encontros com a História" promovido pela Ana Isabel e que terá lugar periodicamente no Centro de Artes e Cultura de Ponte de Sor. O primeiro está já marcado para o próximo dia 23 de Fevereiro, pelas 16h00.

Neste sentido, gostaríamos de convidar os nossos leitores a estarem presentes, bem como pedir-vos que divulguem, dentro das vossas possibilidades, estes eventos. 

Para mais informações visitem este espaço ou enviem um e-mail para cmsaff@gmail.com

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Cliometria: definição e um pouco da sua História


Cliometria é um termo que surgiu no início da década de 1960 (Tosh e Lang 2009, 273; Cardoso 2011, 494), no meio académico norte-americano, contando por isso com aproximadamente cinco décadas de existência. A este conceito está subjacente uma abordagem económica ao processo histórico, cujo ponto de partida é uma rigorosa especificação da hipótese de trabalho formulada a partir da teoria económica, à qual se segue uma exaustiva recolha de dados empíricos quantificáveis, tratados posteriormente através do recurso a métodos quantitativos de carácter econométrico (O’Brien 1977, 13; Cardoso 2011, 489–490). Procurou-se então introduzir na história económica métodos, conceitos e teorias derivados da economia, que, segundo os seus defensores, poderiam ultrapassar algumas das limitações dos métodos históricos tradicionais na análise das economias do passado (O’Brien 1977, 13). É muito provavelmente por este motivo que, desde o seu início, a cliometria foi também designada de «nova história económica» ou «história econométrica» (Fogel 1966; O’Brien 1977).

A entrada da cliometria no campo da história económica suscitou alguma controvérsia, tendo-se criticado o seu foco excessivamente económico que subalternizou demasiado a análise histórica em problemas que, situando-se no passado, são também objeto da história. Contudo, a abordagem cliométrica obteve um sucesso bastante significativo no seio da história económica, levando a que alguns autores tenham chegado a afirmar que esta substituiu por completo qualquer outro paradigma de investigação nesta área, tornando-se ela própria «a história económica» (Heckman 1997, 404). Ainda que nos Estados Unidos da América e, possivelmente, no espaço anglo-saxónico esta afirmação possa estar relativamente próxima da realidade, tal não será o caso da historiografia económica de determinados países europeus como, por exemplo, Espanha, França, Alemanha e Portugal (Cardoso 2011, 495–496). No entanto, mesmo nestes países, assim como no caso concreto da Península Ibérica, é atualmente comum a existência de investigação cliométrica, sendo uma das suas manifestações mais evidentes a realização periódica de encontros científicos especificamente sujeitos a esta abordagem – os Iberometrics.

O crescimento das publicações de carácter cliométrico não esteve certamente dissociado de algumas correções que esta abordagem foi implementando (Greif 1997) e, consequentemente, do decréscimo do ceticismo em relação à cliometria de um maior número de historiadores internacionais; todavia, a historiografia económica portuguesa mantém ainda, como certamente outros historiadores de outros países mantêm, algumas reservas face a esta abordagem (Cardoso 2011, 488). Neste sentido, já no início do século XXI, Fernando Rosas (Rosas 2000, 14–16) publicou, na introdução de uma das suas obras, um texto em que critica duramente a utilização desta «nova história económica», a qual já contava, à data dessa publicação, com cerca de quarenta anos de prática a nível internacional e cerca de vinte anos no seio da historiografia económica portuguesa (Cardoso 2011, 494).

Para mais leituras:

Cardoso, José Luís. 2011. «Entrevista a Jaime Reis». Análise Social 46 (200): 484–499.

Fogel, Robert William. 1966. «The New Economic History». The Economic History Review 19 (3): 642–656.

Greif, Avner. 1997. «Cliometrics After 40 Years». The American Economic Review 87 (2) (Maio 1): 400–403. doi:10.2307/2950953.

Heckman, James J. 1997. «The Value of Quantitative Evidence on the Effect of the Past on the Present». The American Economic Review 87 (2) (Maio 1): 404–408. doi:10.2307/2950954.

O’Brien, Patrick. 1977. The new economic history of the railways. London: Croom Helm.

Sardica, José Miguel. 1993. «Recensão a Carlo Cipolla. (Recensão do livro «Entre la História Y La Economia - Introducción a la História Económica)». Penélope (9/10): 259–262.

Tortella, Gabriel. 2002. Introducción a la economía para historiadores. 3a ed. Madrid: Tecnos.

Tosh, John, e Sean Lang. 2009. The pursuit of history. Harlow: Longman.

Whaples, Robert. 1991. «A Quantitative History of the Journal of Economic History and the Cliometric Revolution». The Journal of Economic History 51 (2): 289–301.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

Ponte de Sor como local de passagem: entre reis e pedintes (séculos XIV-XIX)


Em fevereiro, os "Documentos do mês" do Arquivo Municipal de Ponte de Sor articulam-se com mais uma edição do ciclo “Encontros com a História”, que consistirá numa conferência proferida no Centro de Artes e Cultura no dia 23, pelas 16h00, sob o título “Ponte de Sor como local de passagem: entre reis e pedintes (séculos XIV-XIX)”. A origem e o desenvolvimento históricos de Ponte de Sor estão ligados à sua localização central no País, na confluência das rotas Norte-Sul e Leste-Oeste. Portanto, a atual cidade sempre foi um local de passagem, quer para gente anónima, que se deslocava por motivos de trabalho ou levada pela mendicidade, quer para generais e suas tropas, em trânsito por ocasião de vários conflitos, e inclusivamente para alguns dos nossos reis.

Entre os passantes mais ilustres, temos notícia, ainda no século XIV, de D. Nuno Álvares Pereira, que, de acordo com o cronista Fernão Lopes, esteve perto de ou em Ponte de Sor por duas vezes, no contexto da Crise de 1383-1385. Cerca de meio século mais tarde, em meados de 1438, seria a vez do rei D. Duarte, que, segundo Rui de Pina, «pera repayro dos caminhantes, e alguuma segurança do Regno mandava fazer huma cerca» em Ponte de Sor. Esta acabou por nunca ser concluída, provavelmente devido à morte súbita do rei, que alguns dos seus médicos associaram à passagem por Ponte de Sor, pois aqui «mostrando rijamente com a maaom direyta a altura de um Cubêlo [torreão] que hi mandava fazer, se desencaixara o braço, a que depois correra humor com que se apostemou, de que seu fim se causára». Também D. Manuel I e D. Filipe I de Portugal transitaram por esta Vila, o primeiro por altura do seu terceiro casamento, com a castelhana D. Leonor, em 1518; e D. Filipe vindo de Espanha e dirigindo-se a Tomar, em 1581. Já no final do século XVIII, início do XIX, no contexto das movimentações militares despertadas pela Revolução Francesa, Ponte de Sor foi ponto de passagem das tropas portuguesas em várias ocasiões, como indicam as despesas feitas pelo Município para assegurar travessia da Ribeira do Sor e a estadia dos militares na Vila.

Paralelamente a estas visitas pontuais, houve uma massa de gente anónima em trânsito por Ponte de Sor ao longo dos séculos, que ajudou a construir e moldar a história da Vila, desde a malha urbana, que foi crescendo ao longo da principal via de comunicação, antiga Rua Grande (atual Vaz Monteiro), até ao quotidiano animado pelos viandantes, reclamando a existência de várias estalagens e do Hospital da Misericórdia, que funcionou como albergue até final do século XIX. Os passaportes internos, forma de controlo da população e de combate à vagabundagem implementada em Portugal pela Intendência Geral da Polícia, entre 1760 e 1863, são uma fonte riquíssima para o estudo desses passantes; permitem-nos conhecer, no caso concreto do nosso concelho, quem transitava por Ponte de Sor e porquê ou para onde se dirigiam os habitantes daqui, informações que, por sua vez, são preciosas para a reconstituição da dinâmica socioeconómica desta zona na primeira metade do século XIX.

Documento 1
GÓIS, Damião de – Chronica do Serenissimo Senhor Rei D. Manoel. Lisboa: Officina de Miguel Manescal da Costa, 1749. Parte 4.ª, Cap. XXXIV, p. 512. O terceiro casamento de D. Manuel I, com D. Leonor de Castela, realizou-se por procuração no Verão de 1518, mas os cônjuges só se encontraram em Novembro. Acompanhada por uma comitiva de senhores nobres e eclesiásticos, a Rainha chegou à raia, junto ao Rio Sever, no dia 23 daquele mês e foi depois conduzida ao Crato pelos enviados do Rei, que a aguardava nessa Vila. Damião de Góis conta que, passados ali dois dias de jogos, festas e danças, «el Rei com a Rainha vierão dormir a Ponte do Sor, e ao outro dia a Chamusca», tendo depois seguido para Almeirim. Este relato é confirmado por um bilhete conservado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, dirigido pelo Almotacé-mor do Reino aos Juízes do Sardoal, em 23 de Novembro de 1518, e segundo o qual D. Manuel acabara de receber a notícia da chegada da Rainha e planeava estar em Ponte de Sor na sexta-feira seguinte, dia 26.

Documento 2
1825 Setembro 22, Ponte de Sor – Reprodução do registo de «Passaporte do Intrior para transito de Balthezar Reboxo». Registos como este permitem traçar um retrato completo das pessoas que se deslocavam no país, incluindo: nome, naturalidade e residência, profissão, estado civil, idade, características físicas (altura, formato do rosto, cor dos olhos e do cabelo), para onde viajava, por que motivo e que caminho seguiria. No Arquivo Histórico Municipal de Ponte de Sor, os livros de registo dos passaportes constituem uma série contínua, de 1813 a 1863. AHMPS, Registo de Passaportes da Ponte do Sor 1813-1831, fl. 22.



Documento 3
1858 Setembro 30, Ponte de Sor Reprodução do «Passaporte de Transito» de Ana de Jesus, natural de Abrantes, viúva, caldeireira, para as «deffirentes terras do Reino», levando em sua companhia dois filhos pelos quais respondia. Tinha 35 anos de idade, media 56 polegadas e caraterizava-se por rosto comprido, nariz e boca regulares, cabelo, sobrancelhas e olhos castanhos e cor de pele branca. O passaporte, que devia ser apresentado às autoridades civis nas terras onde a portadora pernoitasse, era válido por 30 dias. AHMPS, Passaportes internos avulsos 1850s-1860s. Agradeço as reproduções fotográficas dos Docs. 2 e 3 ao Sr. Aníbal Oliveira.