Em fevereiro,
os "Documentos do mês" do Arquivo Municipal de Ponte de Sor articulam-se com mais uma edição do ciclo “Encontros com a
História”, que consistirá numa conferência proferida no Centro de Artes e Cultura no dia 23, pelas
16h00, sob o título “Ponte de Sor como local de passagem: entre reis e pedintes
(séculos XIV-XIX)”. A origem e o desenvolvimento históricos de Ponte de Sor
estão ligados à sua localização central no País, na confluência das rotas
Norte-Sul e Leste-Oeste. Portanto, a atual cidade sempre foi um local de
passagem, quer para gente anónima, que se deslocava por motivos de trabalho ou
levada pela mendicidade, quer para generais e suas tropas, em trânsito por
ocasião de vários conflitos, e inclusivamente para alguns dos nossos reis.
Entre
os passantes mais ilustres, temos notícia, ainda no século XIV, de D. Nuno
Álvares Pereira, que, de acordo com o cronista Fernão Lopes, esteve perto de ou
em Ponte de Sor por duas vezes, no contexto da Crise de 1383-1385. Cerca de
meio século mais tarde, em meados de 1438, seria a vez do rei D. Duarte, que,
segundo Rui de Pina, «pera repayro dos caminhantes, e alguuma segurança do
Regno mandava fazer huma cerca» em Ponte de Sor. Esta acabou por nunca ser
concluída, provavelmente devido à morte súbita do rei, que alguns dos seus
médicos associaram à passagem por Ponte de Sor, pois aqui «mostrando rijamente
com a maaom direyta a altura de um Cubêlo [torreão] que hi mandava fazer, se
desencaixara o braço, a que depois correra humor com que se apostemou, de que
seu fim se causára». Também D. Manuel I e D. Filipe I de Portugal transitaram por
esta Vila, o primeiro por altura do seu terceiro casamento, com a castelhana D.
Leonor, em 1518; e D. Filipe vindo de Espanha e dirigindo-se a Tomar, em 1581.
Já no final do século XVIII, início do XIX, no contexto das movimentações militares
despertadas pela Revolução Francesa, Ponte de Sor foi ponto de passagem das
tropas portuguesas em várias ocasiões, como indicam as despesas feitas pelo
Município para assegurar travessia da Ribeira do Sor e a estadia dos militares
na Vila.
Paralelamente
a estas visitas pontuais, houve uma massa de gente anónima em trânsito por
Ponte de Sor ao longo dos séculos, que ajudou a construir e moldar a história
da Vila, desde a malha urbana, que foi crescendo ao longo da principal via de
comunicação, antiga Rua Grande (atual Vaz Monteiro), até ao quotidiano animado
pelos viandantes, reclamando a existência de várias estalagens e do Hospital da
Misericórdia, que funcionou como albergue até final do século XIX. Os
passaportes internos, forma de controlo da população e de combate à
vagabundagem implementada em Portugal pela Intendência Geral da Polícia, entre
1760 e 1863, são uma fonte riquíssima para o estudo desses passantes;
permitem-nos conhecer, no caso concreto do nosso concelho, quem transitava por
Ponte de Sor e porquê ou para onde se dirigiam os habitantes daqui, informações
que, por sua vez, são preciosas para a reconstituição da dinâmica
socioeconómica desta zona na primeira metade do século XIX.
Documento 1
GÓIS, Damião de – Chronica do Serenissimo Senhor Rei D. Manoel. Lisboa: Officina de Miguel Manescal da Costa, 1749. Parte 4.ª, Cap.
XXXIV, p. 512. O terceiro casamento de D. Manuel I, com D. Leonor de Castela,
realizou-se por procuração no Verão de 1518, mas os cônjuges só se encontraram
em Novembro. Acompanhada por uma comitiva de senhores nobres e eclesiásticos, a
Rainha chegou à raia, junto ao Rio Sever, no dia 23 daquele mês e foi depois
conduzida ao Crato pelos enviados do Rei, que a aguardava nessa Vila. Damião de
Góis conta que, passados ali dois dias de jogos, festas e danças, «el Rei com a
Rainha vierão dormir a Ponte do Sor, e ao outro dia a Chamusca», tendo depois
seguido para Almeirim. Este relato é confirmado por um bilhete conservado no
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, dirigido pelo Almotacé-mor do Reino aos
Juízes do Sardoal, em 23 de Novembro de 1518, e segundo o qual D. Manuel
acabara de receber a notícia da chegada da Rainha e planeava estar em Ponte de
Sor na sexta-feira seguinte, dia 26.
Documento 2
1825
Setembro 22, Ponte de Sor – Reprodução do registo
de «Passaporte do Intrior para transito de Balthezar Reboxo». Registos como este permitem traçar um retrato
completo das pessoas que se deslocavam no país, incluindo: nome, naturalidade e
residência, profissão, estado civil, idade, características físicas (altura,
formato do rosto, cor dos olhos e do cabelo), para onde viajava, por que motivo
e que caminho seguiria. No Arquivo Histórico Municipal de Ponte de Sor, os
livros de registo dos passaportes constituem uma série contínua, de 1813 a
1863. AHMPS,
Registo de Passaportes da Ponte do Sor
1813-1831, fl. 22.
Documento 3
1858
Setembro 30, Ponte de Sor –
Reprodução do «Passaporte de Transito» de Ana de Jesus, natural de Abrantes,
viúva, caldeireira, para as «deffirentes terras do Reino», levando em sua
companhia dois filhos pelos quais respondia. Tinha 35 anos de idade, media 56
polegadas e caraterizava-se por rosto comprido, nariz e boca regulares, cabelo,
sobrancelhas e olhos castanhos e cor de pele branca. O passaporte, que devia
ser apresentado às autoridades civis nas terras onde a portadora pernoitasse,
era válido por 30 dias. AHMPS, Passaportes
internos avulsos 1850s-1860s. Agradeço as reproduções fotográficas dos
Docs. 2 e 3 ao Sr. Aníbal Oliveira.