“A falta de água, que se tem, não
pode embaraçar a fundação das novas povoações na província do Alentejo”
(Silveira, 1789)
Concluída em finais de 1958 e inaugurada
no início do ano seguinte, a imponente barragem de Montargil é um dos
principais marcos do concelho de Ponte de Sor e, sobretudo, da freguesia à qual
deve o seu nome. O seu objetivo principal era o de dotar todo o vale do Sorraia
de um canal de rega que permitisse, por um lado, o aumento exponencial da
produção agrícola e, a partir daí, fomentar a colonização interna da região, combatendo
uma das maiores desigualdades dicotómicas de Portugal: a existência de uma
elevada densidade populacional no Norte, associada a uma exploração agrícola minifundiária;
por oposição ao grande latifúndio a Sul, bem como a uma fraca ocupação humana
do território.
Na realidade, a necessidade da
irrigação dos «campos» do Sul de Portugal já vinha sendo debatida desde, pelo
menos, a segunda metade do século XVIII, tendo em vista precisamente os mesmos
objetivos. Por outro lado, num país cuja principal ocupação dos seus habitantes
foi, até aos anos 1960, a agricultura, a sorte deste setor determinava
inevitavelmente a evolução da economia portuguesa, pelo que o aumento da
produção agrícola foi uma das preocupações principais de académicos, políticos e
proprietários. Assim, os planos de irrigação a Sul, onde a agricultura sofria
com verões prolongados, secos e quentes, a que se juntava, em grande parte do
território, um solo demasiado estreito com uma
reduzida capacidade de armazenar humidade, foi um dos primeiros assuntos
abordados pelos membros da Academia Real das Ciências de Lisboa.
Nesse sentido, no “Racional discurso sobre a agricultura e
população da província do Alentejo”, publicado pela referida Academia, em
1789, António Henriques da Silveira identifica a variação do caudal dos cursos
de água do Alentejo – muito reduzido no Verão e demasiado abundante no Inverno
– como um dos problemas que afetava a agricultura na região e, consequentemente,
obstava a uma maior fixação de populações. Este autor dá assim o mote para uma
prolongada – mas unânime – discussão, na qual diversos atores políticos
identificaram a necessidade de um plano hidroagrícola para o Alentejo. Com os
caudais regulados e garantindo-se o permanente abastecimento de água às
principais culturas, as extensas herdades alentejanas teriam condições para
contribuir decisivamente para o desenvolvimento económico português. A questão
atravessa todo o século XIX, assim como o período da I República, contando com
diversos estudos e projetos de lei para a concretização de outros tantos planos
de rega, condensados, frequentemente, na vaga expressão «A irrigação do
Alentejo» – talvez o mais famoso seja o «Projecto de Lei do Fomento Rural»,
datado de 1884 e da autoria de Oliveira Martins –, mas que nunca saíram do mero
plano teórico.
O verdadeiro arranque prático destas
ideias dá-se, em 1937, com o Plano de Obras de Hidráulica Agrícola aprovado, no
ano seguinte, pela Câmara Corporativa. Este, cujo término estava previsto para
o ano de 1950, pressuponha a realização de um conjunto de obras que permitiria
regar cerca de 400 mil hectares em todo o território nacional. No entanto, a
sua execução prática não só não obedeceu ao calendário previsto, como tão-pouco
a área de regadio atingiu cifras tão elevadas. Foi precisamente neste plano que
se inclui a construção da barragem de terra de Montargil, cujo projeto final
foi publicado, pelo Ministério das Obras Públicas, em 1944. Uma década mais
tarde iniciaram-se as obras que envolveram também a construção de uma central
hidroelétrica. O resultado foi uma área beneficiada de 15 365 hectares, dos
quais somente 531 hectares se situam no concelho de Ponte de Sor, e uma
produção anual média de 5,9 GWh. Se o aumento da área de regadio, responsável,
por exemplo, pelo crescimento da produção orizícola na região, foi (e é) uma
realidade, já os planos de redistribuição e reocupação do território, a cargo
da então criada Junta de Colonização Interna, ficaram quase todos por cumprir,
com exceção da pequena localidade de Foros de Almada.
Para mais leituras:
Baptista, Fernando Oliveira. 1993. A política agrária do Estado Novo.
Lisboa: Afrontamento.
Cardoso, José Luís, e Academia Real das Ciências de Lisboa. 1991. Memórias
económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa, para o adiantamento da
agricultura, das artes, e da indústria em Portugal, e suas conquistas
(1789-1815). Banco de Portugal. 5 vols. Lisboa.
Portugal. Plano de Fomento Agrário. 1995. Inquérito agrícola e florestal
do concelho de Ponte de Sor. Ponte de Sor: s.n.
Silva, Elisa Lopes. 2011.A propriedade e os seus sujeitos: colonização interna e colónias agrícolas durante o Estado Novo. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, dissertação de Mestrado.
P.S. - Texto publicado na edição passada do Arauto de Montargil
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