quarta-feira, 20 de março de 2013

Balanço do primeiro «Café com Letras» - negócio corticeiro norte-alentejano

              No passado dia 16 de Março teve lugar, na Fábrica do Arroz, em Ponte de Sor, o primeiro de quatro encontros previstos para o ano de 2013, denominados «Café com Letras». A organização destes eventos está a cargo do núcleo de Ponte de Sor da Associação Nova Cultura, sendo coordenados por Carlos Manuel Faísca. Nesta primeira sessão discutiu-se o «negócio corticeiro norte-alentejano», a partir das intervenções do próprio Carlos Manuel Faísca, doutorando em História Económica, no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, sob a orientação do economista Pedro Lains, e de Pedro Mourisco, mestrando em Empreendedorismo no Instituto Politécnico de Portalegre.

(Carlos Manuel Faísca. Foto de Aníbal Oliveira)

            O primeiro comunicante, após explicar os motivos por detrás da vantagem comparativa no comércio internacional da cortiça portuguesa, abordou, numa perspetiva comparada, dois momentos cruciais do negócio corticeiro português: o seu arranque tardio no contexto europeu (1830-1914); e a ascensão de Portugal a líder mundial do setor corticeiro (1929-1960). Neste último ponto foram destacadas algumas causas estruturais para que Espanha, que gozava até então de uma posição hegemónica, tenha passado a deter um papel secundário, já que Portugal experienciou um rápido e vigoroso crescimento, graças ao qual conquistou todas as facetas deste negócio: florestal, industrial e comercial. Para o conseguir, existiu, entre outros fatores, um forte papel da política económica do Estado. Finalmente, foi também traçada a evolução regional e local deste setor, durante os últimos cento e oitenta anos.

(Pedro Mourisco. Foto de Aníbal Oliveira)

           Pedro Mourisco começou por salientar o difícil momento em que vive a economia portuguesa, com especial impacto nas regiões de interior. Por esse motivo, na sua opinião, cabe às populações locais trabalharem em conjunto para o desenvolvimento económico das regiões periféricas portuguesas já que, dificilmente, o governo central o fará. Em seguida, o segundo comunicante apresentou o seu projeto de living lab. Este consiste na criação e dinamização de um conceito estratégico para a região de Ponte de Sor, com base no Cluster de cortiça presente em Ponte de Sor. Após elucidar este último conceito, o jovem economista apresentou diversas ideias para a dinamização do Cluster de Ponte de Sor, que incluíram ainda o papel que os principais os atores locais poderão ter neste tipo de projeto. Para o atingir, Pedro Mourisco recorreu a uma análise estratégica, que, entre outras ferramentas, utilizou uma Matriz Tows, de forma a criar condições desenvolvimento para região, bem como para atrair investimento neste Cluster. Por último, foram ainda levantadas várias questões: se existe uma aposta na formação relacionada com este Cluster? Se os poderes locais têm consciência deste Cluster? E qual é o futuro de Ponte de Sor?

            Após as duas apresentações, seguiu-se, durante aproximadamente uma hora, um intenso debate acerca do presente e do futuro desta atividade crucial na economia norte-alentejana, com diversos contributos vindos de uma audiência bastante heterogénea e que contou com cerca de três dezenas de participantes. As principais conclusões prenderam-se essencialmente com a necessidade de, por um lado, se apostar na formação profissional nesta área, tal como, no passado, a Junta Nacional de Cortiça (1936-1972) o fez; e, por outro, se inverter a política económica para o setor florestal que, infelizmente, parece querer apostar em espécies onde Portugal, ao contrário da cultura suberícola, não detém uma vantagem comparativa no comércio internacional.

(Assistência. Foto de Aníbal Oliveira)

            Saliente-se que, em relação à primeira questão, Fátima Pinheiro, professora da Escola Secundária de Ponte de Sor, adiantou que aquele estabelecimento de ensino propôs, no ano transato, a constituição de uma turma de formação profissional vocacionada para o setor da cortiça, contando, para esse efeito, com o apoio dos encarregados de educação dos cerca de 20 alunos interessados. Porém, o pedido foi recusado pelo Ministério da Educação. Conclui-se então que as autoridades centrais portuguesas não estão a prestar a devida atenção a uma das principais riquezas nacionais.   

            Os «Café com Letras» irão prosseguir, em Junho de 2013, abordando a desertificação do Alentejo, com a participação de Elisa Silva (ICS/UL), a partir do exemplo das tentativas de colonização interna da região, durante o Estado Novo; a emigração científica, com a participação de Tiago Brandão (IHC da FCSH/UNL), em Setembro de 2013, tendo como base o caso de Joaquim Barradas de Carvalho, com raízes familiares profundas no concelho de Ponte de Sor; e a desigualdade social e de rendimento, com a presença novamente de Carlos Manuel Faísca, agora acompanhado por Bruno Lopes (CIDEHUS da U. de Évora), em Novembro/Dezembro de 2013.

            No final, a organização fez ainda questão de convidar os presentes a assistirem ao ciclo «Encontros com a História 2013», promovido por Ana Isabel Silva, já que as duas iniciativas são complementares. A próxima sessão terá lugar em finais de Abril, no Centro de Artes e Cultura de Ponte de Sor, com o tema “150 anos da chegada do caminho-de-ferro a Ponte de Sor”.

2 comentários:

  1. Há dezenas de anos a esta parte, dada a forma como são escolhidos os nossos deputados na Assembleia da República, por listas cozinhadas nas sedes centrais
    e não por círculos uninominais com maior ligação aos espaços e às pessoas, que tudo se vem degradando. A escolha, pelas cúpulas partidárias, dos presidentes de Câmara está na mesma linha. Daí haver um total desconhecimento dos interesses do país e do povo, que serve apenas para ir à urna meter o voto do funeral. O não terem aprovado o curso sobre a cortiça é um desrespeito que nem a ignorância dos mandantes serve de perdão. Temos um país à deriva e não se vê timoneiro.

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  2. Para já não falar do estereótipo de que ter cortiça é ser rico, esquecendo nomeadamente o forte imposto a que também esta atividade está sujeita, é verdade que os governos nos últimos tempos não têm vindo a Governar mas a governar-se.

    Por outro lado, muita gente tem sobreiros abandonados mas quer um dinheirão por eles.

    De modo que, se não surgir, nesta como noutras áreas, uma campanha dinamizada pelo governo
    ou por algum benemérito, de crédito acessível com regulamentação de preços de terras... e de formação de novos produtores/tiradores de cortiça, mas prática, nos campos, nada feito.

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