O tema escolhido para os "Documentos do mês" de março vem ainda no seguimento da questão da importância de Ponte de Sor como local de passagem, tratando-se de um curioso episódio que envolveu ilustres passantes pela aldeia de Longomel, pertencente ao concelho, em meados do século XIX. Mais concretamente, em Outubro de 1843, num ambiente de contestação ao governo de Costa Cabral, este, querendo infundir confiança e aparentar normalidade, promoveu uma viagem da família real pelo Alentejo. A Rainha D. Maria II, o Rei D. Fernando e os Príncipes D. Pedro e D. João, então crianças, saíram de Lisboa no dia 4 do citado mês e ter-se-ão demorado em Évora, onde apreciaram as «antiguidades». Numa carta escrita à Rainha Vitória, de Inglaterra, D. Maria II mostrava-se impressionada com a vastidão erma do Alentejo e dava conta da hospitalidade com que foram acolhidos.
A família real regressou a Lisboa no final de Outubro, tendo então, na viagem de Alter do Chão para Abrantes, passado e parado na aldeia de Longomel. Usaram, pois, uma estrada correspondente a parte de um itinerário romano que ligava Mérida, capital da Lusitânia, a Lisboa, a chamada «Estrada Ariciense» (por Aritium Praetorium, que Mário Saa situa em Abrantes) ou «estrada dos almocreves». O caminho, que passava a Norte de Ponte de Sor, saía de Alter do Chão pela azinhaga de Abrantes, transpunha a Ribeira de Seda, seguia pelos lugares das futuras estações ferroviárias de Chancelaria e de Torre das Vargens, onde passava o Sor, e chegava a Longomel; esta aldeia ficava aproximadamente a meio caminho entre Alter (a 34 km) e Abrantes (a 25 km), o que justificará a paragem dos reais viajantes, para repousar. Dali, a estrada seguia por Vale de Água e Coalhos, dirigia-se ao Rossio de Abrantes e subia depois para o castelo desta cidade. O principal caminho de Alter a Abrantes passava por Ponte de Sor, mas era mais extenso do que este cerca de 5 km (ver Doc. 1).
A passagem dos Reis e Príncipes por Longomel levou o Governo Civil de Portalegre a ordenar ao Administrador do Concelho e à Câmara de Ponte de Sor que construíssem uma «Barraca» naquela aldeia, «com o possível asseio e decência», para que os ilustres viajantes sob ela descansassem no dia 28 de Outubro. Em sessão de Câmara de 18 desse mês, foram acordadas as medidas a tomar, nomeadamente: armar a dita Barraca, com a «decência devida a tão Altas Personagens»; oferecer-lhes um «refresco» em nome dos habitantes do Concelho; examinar o estado das estradas concelhias por onde aqueles passariam, ordenando que se fizessem os reparos necessários (ver Doc. 2).
Em sessões de Câmara posteriores, aprovou-se o pagamento de toda a despesa com a armação da Barraca, no valor de 7.725 réis (4 Novembro e 25 Dezembro) e venderam-se ao escrivão do Administrador do Concelho seis garrafas de licor que sobraram do refresco oferecido à família real, pelo preço de custo, 4.800 réis (5 Fevereiro 1849). Já em Janeiro de 1844, por proposta do Presidente da Câmara de Ponte de Sor, decidiu-se enviar à Rainha uma mensagem de «felicitação relativamente ao seu feliz regresso à Capital no seu trânsito a esta Província d’Além Tejo, e ao mesmo tempo significar-lhe os leais sentimentos, que lhe consagram os fiéis habitantes deste Concelho».
Documento 1
SAA, Mário – «Algumas grandes vias da Lusitânia: parte ocidental do sistema viário emeritense», por Mário Saa. A estrada percorrida pela família real, em 1843, entre Alter do Chão e Abrantes, com passagem por Longomel, tem origem numa via romana assinalada neste mapa, publicado na obra As grandes vias da Lusitânia: o Itinerário de Antonino Pio. Lisboa: [s.n.], 1956. Tomo I, entre p. 63-66.
Documento 2
1843 outubro 18, Ponte de Sor – Ata de sessão da Câmara Municipal de Ponte de Sor, realizada a pedido do Administrador do Concelho, na sequência da ordem recebida do Governador Civil de Portalegre, para que as autoridades municipais «passassem a construir e formar uma Barraca com o possivel asseio e decencia na Aldea de Logomelo deste Concelho para Suas Magestades a Rainha e o Rei e Suas Altezas descançarem em o dia vinte e oito do corrente no seu tranzito da villa d’Alter para a villa d’Abrantes». AHMPS, Livro de Acórdãos da Câmara Municipal 1841-1845, fls. 61-62.
Nota: em cima, pormenor de Mapa geográfico da província do Alentejo e do reino do Algarve (1851), disponível em http://purl.pt/1968.