segunda-feira, 25 de março de 2013

Agradecimento aos leitores

Ontem, na comemoração do 422º aniversário da Misericórdia de Ponte de Sor, após a brilhante intervenção da Ana Isabel, muitas pessoas foram-na felicitar pelo seu desempenho. Destas, umas quantas falaram e elogiaram também este espaço e, uma ou duas, perguntaram-lhe se ela sabia da sua existência e quem era o seu autor. Ora, a Ana Isabel é uma das autoras deste espaço que, em 2011, num período complicado da minha vida, criei como escape para colocar algumas das leituras que ia fazendo. Eu, nascido e criado no bairro dos Olivais, em Lisboa, como já devem saber (?), sou felizmente (em todos os sentidos) casado com esta bela norte-alentejana.

Já em 2012, após um interregno de alguns meses, achei que devia utilizá-lo para divulgar alguns dos meus trabalhos académicos/profissionais e convidei a Ana Isabel para fazer o mesmo. No entanto, entre o meu doutoramento, os projetos em que estou envolvido, as viagens constantes Lisboa-Ponte de Sor; e, do lado dela, o trabalho que realiza na Câmara Municipal de Ponte de Sor, o seu doutoramento e o nosso Duarte, para não falar do tempo que temos para estar juntos, por vezes, passam-se muitos dias sem qualquer atualização. 

Porém, o interesse de todos aqueles que têm visitado este espaço (e posso adiantar que o último post teve mais de 150 leituras) e as palavras de apoio que nos têm deixado, fazem com que mantenhamos uma grande vontade na sua manutenção. 

Quero, portanto, agradecer aos leitores deste espaço e convidar que participem mais, não só com os seus comentários, mas também, caso o desejem, com textos da vossa autoria que, se situarem no âmbito deste espaço, terei todo o gosto em publicar. 

No futuro, da minha parte, serão introduzidos temas mais abrangentes no âmbito da História Económica e, inclusivamente, de Economia. Mas também de História Local, já não exclusivamente de Ponte de Sor ou do Alto Alentejo, alargando-se a dois espaços que marcaram a minha vida: a freguesia de Santa Maria dos Olivais e a cidade de Tavira.

Obrigado a todos.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Balanço do primeiro «Café com Letras» - negócio corticeiro norte-alentejano

              No passado dia 16 de Março teve lugar, na Fábrica do Arroz, em Ponte de Sor, o primeiro de quatro encontros previstos para o ano de 2013, denominados «Café com Letras». A organização destes eventos está a cargo do núcleo de Ponte de Sor da Associação Nova Cultura, sendo coordenados por Carlos Manuel Faísca. Nesta primeira sessão discutiu-se o «negócio corticeiro norte-alentejano», a partir das intervenções do próprio Carlos Manuel Faísca, doutorando em História Económica, no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, sob a orientação do economista Pedro Lains, e de Pedro Mourisco, mestrando em Empreendedorismo no Instituto Politécnico de Portalegre.

(Carlos Manuel Faísca. Foto de Aníbal Oliveira)

            O primeiro comunicante, após explicar os motivos por detrás da vantagem comparativa no comércio internacional da cortiça portuguesa, abordou, numa perspetiva comparada, dois momentos cruciais do negócio corticeiro português: o seu arranque tardio no contexto europeu (1830-1914); e a ascensão de Portugal a líder mundial do setor corticeiro (1929-1960). Neste último ponto foram destacadas algumas causas estruturais para que Espanha, que gozava até então de uma posição hegemónica, tenha passado a deter um papel secundário, já que Portugal experienciou um rápido e vigoroso crescimento, graças ao qual conquistou todas as facetas deste negócio: florestal, industrial e comercial. Para o conseguir, existiu, entre outros fatores, um forte papel da política económica do Estado. Finalmente, foi também traçada a evolução regional e local deste setor, durante os últimos cento e oitenta anos.

(Pedro Mourisco. Foto de Aníbal Oliveira)

           Pedro Mourisco começou por salientar o difícil momento em que vive a economia portuguesa, com especial impacto nas regiões de interior. Por esse motivo, na sua opinião, cabe às populações locais trabalharem em conjunto para o desenvolvimento económico das regiões periféricas portuguesas já que, dificilmente, o governo central o fará. Em seguida, o segundo comunicante apresentou o seu projeto de living lab. Este consiste na criação e dinamização de um conceito estratégico para a região de Ponte de Sor, com base no Cluster de cortiça presente em Ponte de Sor. Após elucidar este último conceito, o jovem economista apresentou diversas ideias para a dinamização do Cluster de Ponte de Sor, que incluíram ainda o papel que os principais os atores locais poderão ter neste tipo de projeto. Para o atingir, Pedro Mourisco recorreu a uma análise estratégica, que, entre outras ferramentas, utilizou uma Matriz Tows, de forma a criar condições desenvolvimento para região, bem como para atrair investimento neste Cluster. Por último, foram ainda levantadas várias questões: se existe uma aposta na formação relacionada com este Cluster? Se os poderes locais têm consciência deste Cluster? E qual é o futuro de Ponte de Sor?

            Após as duas apresentações, seguiu-se, durante aproximadamente uma hora, um intenso debate acerca do presente e do futuro desta atividade crucial na economia norte-alentejana, com diversos contributos vindos de uma audiência bastante heterogénea e que contou com cerca de três dezenas de participantes. As principais conclusões prenderam-se essencialmente com a necessidade de, por um lado, se apostar na formação profissional nesta área, tal como, no passado, a Junta Nacional de Cortiça (1936-1972) o fez; e, por outro, se inverter a política económica para o setor florestal que, infelizmente, parece querer apostar em espécies onde Portugal, ao contrário da cultura suberícola, não detém uma vantagem comparativa no comércio internacional.

(Assistência. Foto de Aníbal Oliveira)

            Saliente-se que, em relação à primeira questão, Fátima Pinheiro, professora da Escola Secundária de Ponte de Sor, adiantou que aquele estabelecimento de ensino propôs, no ano transato, a constituição de uma turma de formação profissional vocacionada para o setor da cortiça, contando, para esse efeito, com o apoio dos encarregados de educação dos cerca de 20 alunos interessados. Porém, o pedido foi recusado pelo Ministério da Educação. Conclui-se então que as autoridades centrais portuguesas não estão a prestar a devida atenção a uma das principais riquezas nacionais.   

            Os «Café com Letras» irão prosseguir, em Junho de 2013, abordando a desertificação do Alentejo, com a participação de Elisa Silva (ICS/UL), a partir do exemplo das tentativas de colonização interna da região, durante o Estado Novo; a emigração científica, com a participação de Tiago Brandão (IHC da FCSH/UNL), em Setembro de 2013, tendo como base o caso de Joaquim Barradas de Carvalho, com raízes familiares profundas no concelho de Ponte de Sor; e a desigualdade social e de rendimento, com a presença novamente de Carlos Manuel Faísca, agora acompanhado por Bruno Lopes (CIDEHUS da U. de Évora), em Novembro/Dezembro de 2013.

            No final, a organização fez ainda questão de convidar os presentes a assistirem ao ciclo «Encontros com a História 2013», promovido por Ana Isabel Silva, já que as duas iniciativas são complementares. A próxima sessão terá lugar em finais de Abril, no Centro de Artes e Cultura de Ponte de Sor, com o tema “150 anos da chegada do caminho-de-ferro a Ponte de Sor”.

domingo, 10 de março de 2013

O negócio corticeiro norte-alentejano - Ciclo de «Cafés com Letras» em Ponte de Sor

No próximo dia 16 de Março, pelas 21h30, na Fábrica do Arroz, em Ponte de Sor, realiza-se o primeiro «Café com Letras» organizado por mim e pelo núcleo de Ponte de Sor da Associação Nova Cultura.

Neste primeiro encontro discutir-se-á o negócio corticeiro norte-alentejano, que, desde meados do século XIX, se constituiu como um dos principais elementos da economia regional.


Serão realizadas realizadas duas breves comunicações como forma de introduzir o tema. A primeira, da minha autoria, prende-se com a evolução histórica deste setor. Porém, como pretendo não tomar demasiado tempo, decidi escolher três aspetos que me parecem dos mais importantes: o arranque «tardio» do negócio corticeiro em Portugal, marcado também por uma certa ambiguidade da política económica do Estado; a ascensão de Portugal a líder mundial deste setor, onde o Estado, através da ação da Junta Nacional de Cortiça, teve um papel de destaque; e, por último, a evolução da geografia da indústria corticeira. Em todos estes momentos haverá um especial destaque para o caso particular do Alto Alentejo.

A segunda intervenção prevista (porque esperamos que muitos queiram e venham a intervir) ficará a cargo de Pedro Mourisco. Este apresentará um projeto de um living lab corticeiro para o concelho de Ponte de Sor.

Este encontros têm o objetivo de contribuir para um debate cívico sobre temas que exercem uma grande influência no quotidiano pontessorense, pelo que apelamos à participação da população.

quinta-feira, 7 de março de 2013

A “Real Barraca” de Longomel (1843)


O tema escolhido para os "Documentos do mês" de março vem ainda no seguimento da questão da importância de Ponte de Sor como local de passagem, tratando-se de um curioso episódio que envolveu ilustres passantes pela aldeia de Longomel, pertencente ao concelho, em meados do século XIX. Mais concretamente, em Outubro de 1843, num ambiente de contestação ao governo de Costa Cabral, este, querendo infundir confiança e aparentar normalidade, promoveu uma viagem da família real pelo Alentejo. A Rainha D. Maria II, o Rei D. Fernando e os Príncipes D. Pedro e D. João, então crianças, saíram de Lisboa no dia 4 do citado mês e ter-se-ão demorado em Évora, onde apreciaram as «antiguidades». Numa carta escrita à Rainha Vitória, de Inglaterra, D. Maria II mostrava-se impressionada com a vastidão erma do Alentejo e dava conta da hospitalidade com que foram acolhidos.

A família real regressou a Lisboa no final de Outubro, tendo então, na viagem de Alter do Chão para Abrantes, passado e parado na aldeia de Longomel. Usaram, pois, uma estrada correspondente a parte de um itinerário romano que ligava Mérida, capital da Lusitânia, a Lisboa, a chamada «Estrada Ariciense» (por Aritium Praetorium, que Mário Saa situa em Abrantes) ou «estrada dos almocreves». O caminho, que passava a Norte de Ponte de Sor, saía de Alter do Chão pela azinhaga de Abrantes, transpunha a Ribeira de Seda, seguia pelos lugares das futuras estações ferroviárias de Chancelaria e de Torre das Vargens, onde passava o Sor, e chegava a Longomel; esta aldeia ficava aproximadamente a meio caminho entre Alter (a 34 km) e Abrantes (a 25 km), o que justificará a paragem dos reais viajantes, para repousar. Dali, a estrada seguia por Vale de Água e Coalhos, dirigia-se ao Rossio de Abrantes e subia depois para o castelo desta cidade. O principal caminho de Alter a Abrantes passava por Ponte de Sor, mas era mais extenso do que este cerca de 5 km (ver Doc. 1).

A passagem dos Reis e Príncipes por Longomel levou o Governo Civil de Portalegre a ordenar ao Administrador do Concelho e à Câmara de Ponte de Sor que construíssem uma «Barraca» naquela aldeia, «com o possível asseio e decência», para que os ilustres viajantes sob ela descansassem no dia 28 de Outubro. Em sessão de Câmara de 18 desse mês, foram acordadas as medidas a tomar, nomeadamente: armar a dita Barraca, com a «decência devida a tão Altas Personagens»; oferecer-lhes um «refresco» em nome dos habitantes do Concelho; examinar o estado das estradas concelhias por onde aqueles passariam, ordenando que se fizessem os reparos necessários (ver Doc. 2).

Em sessões de Câmara posteriores, aprovou-se o pagamento de toda a despesa com a armação da Barraca, no valor de 7.725 réis (4 Novembro e 25 Dezembro) e venderam-se ao escrivão do Administrador do Concelho seis garrafas de licor que sobraram do refresco oferecido à família real, pelo preço de custo, 4.800 réis (5 Fevereiro 1849). Já em Janeiro de 1844, por proposta do Presidente da Câmara de Ponte de Sor, decidiu-se enviar à Rainha uma mensagem de «felicitação relativamente ao seu feliz regresso à Capital no seu trânsito a esta Província d’Além Tejo, e ao mesmo tempo significar-lhe os leais sentimentos, que lhe consagram os fiéis habitantes deste Concelho».

Documento 1
SAA, Mário – «Algumas grandes vias da Lusitânia: parte ocidental do sistema viário emeritense», por Mário Saa. A estrada percorrida pela família real, em 1843, entre Alter do Chão e Abrantes, com passagem por Longomel, tem origem numa via romana assinalada neste mapa, publicado na obra As grandes vias da Lusitânia: o Itinerário de Antonino Pio. Lisboa: [s.n.], 1956. Tomo I, entre p. 63-66.


Documento 2
1843 outubro 18, Ponte de Sor Ata de sessão da Câmara Municipal de Ponte de Sor, realizada a pedido do Administrador do Concelho, na sequência da ordem recebida do Governador Civil de Portalegre, para que as autoridades municipais «passassem a construir e formar uma Barraca com o possivel asseio e decencia na Aldea de Logomelo deste Concelho para Suas Magestades a Rainha e o Rei e Suas Altezas descançarem em o dia vinte e oito do corrente no seu tranzito da villa d’Alter para a villa d’Abrantes». AHMPS, Livro de Acórdãos da Câmara Municipal 1841-1845, fls. 61-62.

Nota: em cima, pormenor de Mapa geográfico da província do Alentejo e do reino do Algarve (1851), disponível em http://purl.pt/1968.