sexta-feira, 21 de março de 2014

Cultivar a terra, ocupar o espaço: os objetivos iniciais em torno da albufeira de Montargil

“A falta de água, que se tem, não pode embaraçar a fundação das novas povoações na província do Alentejo” (Silveira, 1789)

            Concluída em finais de 1958 e inaugurada no início do ano seguinte, a imponente barragem de Montargil é um dos principais marcos do concelho de Ponte de Sor e, sobretudo, da freguesia à qual deve o seu nome. O seu objetivo principal era o de dotar todo o vale do Sorraia de um canal de rega que permitisse, por um lado, o aumento exponencial da produção agrícola e, a partir daí, fomentar a colonização interna da região, combatendo uma das maiores desigualdades dicotómicas de Portugal: a existência de uma elevada densidade populacional no Norte, associada a uma exploração agrícola minifundiária; por oposição ao grande latifúndio a Sul, bem como a uma fraca ocupação humana do território.        
   
            Na realidade, a necessidade da irrigação dos «campos» do Sul de Portugal já vinha sendo debatida desde, pelo menos, a segunda metade do século XVIII, tendo em vista precisamente os mesmos objetivos. Por outro lado, num país cuja principal ocupação dos seus habitantes foi, até aos anos 1960, a agricultura, a sorte deste setor determinava inevitavelmente a evolução da economia portuguesa, pelo que o aumento da produção agrícola foi uma das preocupações principais de académicos, políticos e proprietários. Assim, os planos de irrigação a Sul, onde a agricultura sofria com verões prolongados, secos e quentes, a que se juntava, em grande parte do território, um solo demasiado estreito com uma reduzida capacidade de armazenar humidade, foi um dos primeiros assuntos abordados pelos membros da Academia Real das Ciências de Lisboa.

            Nesse sentido, no “Racional discurso sobre a agricultura e população da província do Alentejo”, publicado pela referida Academia, em 1789, António Henriques da Silveira identifica a variação do caudal dos cursos de água do Alentejo – muito reduzido no Verão e demasiado abundante no Inverno – como um dos problemas que afetava a agricultura na região e, consequentemente, obstava a uma maior fixação de populações. Este autor dá assim o mote para uma prolongada – mas unânime – discussão, na qual diversos atores políticos identificaram a necessidade de um plano hidroagrícola para o Alentejo. Com os caudais regulados e garantindo-se o permanente abastecimento de água às principais culturas, as extensas herdades alentejanas teriam condições para contribuir decisivamente para o desenvolvimento económico português. A questão atravessa todo o século XIX, assim como o período da I República, contando com diversos estudos e projetos de lei para a concretização de outros tantos planos de rega, condensados, frequentemente, na vaga expressão «A irrigação do Alentejo» – talvez o mais famoso seja o «Projecto de Lei do Fomento Rural», datado de 1884 e da autoria de Oliveira Martins –, mas que nunca saíram do mero plano teórico.

            O verdadeiro arranque prático destas ideias dá-se, em 1937, com o Plano de Obras de Hidráulica Agrícola aprovado, no ano seguinte, pela Câmara Corporativa. Este, cujo término estava previsto para o ano de 1950, pressuponha a realização de um conjunto de obras que permitiria regar cerca de 400 mil hectares em todo o território nacional. No entanto, a sua execução prática não só não obedeceu ao calendário previsto, como tão-pouco a área de regadio atingiu cifras tão elevadas. Foi precisamente neste plano que se inclui a construção da barragem de terra de Montargil, cujo projeto final foi publicado, pelo Ministério das Obras Públicas, em 1944. Uma década mais tarde iniciaram-se as obras que envolveram também a construção de uma central hidroelétrica. O resultado foi uma área beneficiada de 15 365 hectares, dos quais somente 531 hectares se situam no concelho de Ponte de Sor, e uma produção anual média de 5,9 GWh. Se o aumento da área de regadio, responsável, por exemplo, pelo crescimento da produção orizícola na região, foi (e é) uma realidade, já os planos de redistribuição e reocupação do território, a cargo da então criada Junta de Colonização Interna, ficaram quase todos por cumprir, com exceção da pequena localidade de Foros de Almada.

Para mais leituras:
Baptista, Fernando Oliveira. 1993. A política agrária do Estado Novo. Lisboa: Afrontamento.
Cardoso, José Luís, e Academia Real das Ciências de Lisboa. 1991. Memórias económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa, para o adiantamento da agricultura, das artes, e da indústria em Portugal, e suas conquistas (1789-1815). Banco de Portugal. 5 vols. Lisboa.

Portugal. Plano de Fomento Agrário. 1995. Inquérito agrícola e florestal do concelho de Ponte de Sor. Ponte de Sor: s.n.
Silva, Elisa Lopes. 2011.A propriedade e os seus sujeitos: colonização interna e colónias agrícolas durante o Estado Novo. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, dissertação de Mestrado.

P.S. - Texto publicado na edição passada do Arauto de Montargil