Texto publicado na edição de Março de "A Ponte".
Não obstante a sua presença no comércio internacional
desde, pelo menos, a época medieval, a exploração sistemática de cortiça
iniciou-se em França, no final do século XVII, devido à necessidade do fabrico
de rolhas como forma de fornecer a produção vinícola local. Com o crescimento
mundial do consumo de vinho, a indústria corticeira expandiu-se, já em meados do
século XVIII, para a Catalunha e a Sardenha e, inclusivamente, até países não-produtores
de cortiça, como, por exemplo, o Reino Unido e a Alemanha.
O «renovado»
negócio corticeiro chegou ao nosso país somente no final da primeira metade do
século XIX. A proximidade com a matéria-prima era, à época, um dos principais
fatores de localização industrial. Nesse sentido, desde «cedo» que no Alto
Alentejo se fixaram algumas importantes corticeiras. O exemplo mais conhecido é
a fábrica portalegrense de George Robinson, que já laborava em 1848, mas
cuja fundação datará de 1840, por iniciativa de Thomas Reynolds, o seu primeiro proprietário.
Aproveitando uma zona de intensa produção de cortiça, algumas
das maiores multinacionais do mundo estabeleceram diversas unidades industriais
no nosso concelho que, desde que existem registos, foi o principal produtor
desta matéria-prima no distrito de Portalegre. Tratavam-se, habitualmente, de
unidades preparadoras, mas com alguma dimensão. Foi o caso da multinacional
britânica Henry Bucknall & Sons que, em 1894, já mantinha uma
fábrica de preparação de cortiça nas Barreiras, seguindo-se, pouco depois, em
1902, a abertura de uma fábrica da família Reynolds, também de origem
britânica. É de assinalar que Henry Bucknall foi um grande «capitão de
indústria» a tal ponto que, aquando da sua morte, o New York Times
dedicou-lhe uma pequena biografia no seu obituário. No entanto, talvez o caso
mais conhecido, até ao estabelecimento da Amorim & Irmão, foi o da
multinacional catalã Mundet que, ao entrar no mercado português no
início do século XX, sentiu necessidade de ter várias unidades industriais
junto da matéria-prima, tendo escolhido Ponte de Sor como um dos locais para esse
efeito. Assim, em 1927, foi inaugurada, junto da atual rua D. José Mundet, uma
fábrica empregando 30 trabalhadores, mas ampliada mais tarde para cerca de
centena e meia.
Em simultâneo, várias indústrias de pequena dimensão, com recurso a capital nacional, muitas vezes de
carácter regional, têm vindo a funcionar no nosso concelho. Uma das primeiras
parece ter sido a fábrica de José Pedro Pereira fundada, em 1907, na atual Rua
do Rossio, passando mais tarde a funcionar junto do extinto Campo de Jogos
Matuzarense. Este tipo de unidades multiplicou-se, funcionando, por vezes, como
subsidiárias das grandes fábricas de capitais estrangeiros e, em 1952, para
além da Mundet, outras seis corticeiras laboravam em Ponte de Sor.
Algumas destas foram fundadas por descendentes de negociantes de cortiça
algarvios que, em meados do século XIX, se deslocaram até Ponte de Sor como
forma de obterem a matéria-prima com que forneciam o parque industrial
corticeiro algarvio, com especial destaque para a zona de São Brás de Alportel.
São os casos, por exemplo, da fábrica de António Rodrigues Carrusca que, em
1952, transformou 1050 toneladas de cortiça, ou da fábrica de Manuel de Sousa
Eusébio. Outro exemplo é a Empresa Industrial de Pimentão, ainda hoje em
atividade na Rua Manuel Adegas, que, nesse mesmo ano, transformou 750 toneladas
de cortiça, setor que acabaria por abandonar alguns anos mais tarde. Quanto à Mundet,
a sucursal de Ponte de Sor encerrou em 1964, enquanto a casa-mãe do Seixal teve
um final dramático, em 1988, quando deixou no desemprego centenas de
trabalhadores.
Muito mais haveria para dizer relativamente a este
assunto. Fica, no entanto, a ideia de que Ponte de Sor é historicamente um dos principais centros corticeiros de
Portugal, tendo este setor marcado indiscutivelmente a economia e a sociedade
local. Existe, portanto, uma secular tradição florestal e industrial, com um know-how
associado, que continua a dar frutos e, sinceramente, espero se acentue ainda
mais no futuro próximo para o bem comum da nossa comunidade.