domingo, 17 de julho de 2016

Foros de Arrão: Um exemplo de «colonização interna espontânea»?

Em Portugal, a propriedade rural encontra-se historicamente dividida de uma forma bastante desigual. Assim, enquanto no Norte impera a pequena e a muito pequena propriedade, no Sul, por oposição, a larga maioria da superfície agrícola é ocupada pela grande propriedade e pelo latifúndio. Ao longo dos séculos vários fatores contribuíram para esta situação, desde logo a forma como se construiu o espaço nacional a Sul do Tejo – a concessão de regimes vinculares às Ordens Religiosas Militares –, passando por fatores de ordem ecológico-agrícola – a menor produtividade da terra a Sul relacionada, entre outros motivos, com uma crónica escassez de água –, a menor pressão populacional a Sul do Tejo, etc.

                                     Figura 1 - Distribuição da propriedade em Portugal (1934)

            Esta situação de extrema desigualdade começou a suscitar, a partir de meados do século XIX, um certo descontentamento entre uma elite intelectual que considerava o latifúndio como um dos motivos do atraso da economia portuguesa, em grande parte relacionado com um alegado absentismo por parte dos proprietários. Começou-se então a esboçar a ideia de que as terras não devidamente exploradas deviam ser expropriadas, procedendo-se, em seguida, à sua venda a prestações, de preferência a rendeiros ou lavradores, formando-se, por esta via, uma «burguesia» rural com o aproveitamento de muitos «nortenhos» que viriam agora «colonizar» o «deserto» Alentejano. Desta forma, para homens como Alexandre Herculano, Oliveira Martins ou, mais tarde, Ezequiel de Campos, resolver-se-iam diversos problemas em simultâneo: as elevadas taxas de emigração registadas em regiões como, por exemplo, o Minho; a baixa produtividade agrícola nacional, já que se substituiria o absentismo dos proprietários pela exploração intensiva dos «colonos»; e, por último, formar-se-ia uma nova classe social com um nível de vida que permitiria, por um lado, o consumo de bens manufaturados com que se estimularia a industrialização do país e que, por outro, estaria menos apta a participar em grandes agitações sociais.

Figura 2 - Durante o Estado Novo, a Junta de Colonização Interna irá recuperar algumas destas ideias, mas pouca aplicação prática


            Fora destas ideias mais radicais, a verdade é que alguns proprietários promoveram, na viragem do século XIX para o século XX, movimentos colonizadores nas suas terras, através do aforamento ou arrendamento a longo prazo de glebas de baixa produtividade a famílias vindas de outras regiões. Assim, os proprietários conseguiram fixar força de trabalho junto das suas explorações agrícolas, que, devido à baixa qualidade das terras aforadas, teria que trabalhar também em regime assalariado como forma de complementar o orçamento familiar.

Figura 3 - Os Foros de José Maria dos Santos (Pinhal Novo) são um exemplo conhecido de «colonização espontânea»*


                   Muitos destes locais receberam topónimos de Foros e parece-me que poderá ter sido o caso de Foros de Salgueira, mas, sobretudo, de Foros de Arrão já que a fundação da localidade deve-se ao aforamento promovido por Pedro Aleixó Falcão, da Herdade do Arrão no ano de 1912. Trata-se, sem dúvida, de um assunto que merece uma investigação aprofundada para que a historiografia local possa finalmente compreender todos os impactos das diferentes políticas de «colonização interna» no nosso concelho, fossem estas de carácter público ou promovidas por privados, sabendo-se que a última e principal consequência foi a construção da barragem de Montargil.

* Repare-se no povoamento concentrado em torno de Rio Frio no caso de uma exploração direta da propriedade e do povoamento disperso da zona aforada. Esta característica ainda hoje se pode observar, por exemplo, em Foros de Arrão e em Foros de Almada (Coruche).

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

O processo de elevação de Ponte de Sor a cidade

Texto publicado na edição de Julho do Jornal «A Ponte»:


No próximo dia 8 de Julho celebrar-se-ão os vinte e nove anos de elevação da então vila de Ponte de Sor ao estatuto de «cidade». Na realidade, ao contrário do que acontecia, por exemplo, no período medieval, em que ser-se cidade pressupunha a existência de uma sede episcopal, esta designação há muito que não tem quaisquer consequências práticas – para além de meramente honoríficas –, mas isso não significou que todo o processo administrativo desencadeado tenha sido célere.
                A proposta de elevação de Ponte de Sor a cidade foi apresentada na Assembleia da República, pela primeira vez, a 9 de Janeiro de 1981, através do projeto de lei nº 106/11 assinado por um trio de deputados do Partido Socialista encabeçado pelo Portalegrense Miranda Calha. No referido projeto de lei, justificava-se esta pretensão por motivos históricos – embora o texto cometa alguns erros históricos, atualmente já desmistificados –; económicos, com destaque para o impacto regional da Feira de Outubro e a existência de um importante setor industrial, salientando-se ainda a presença da CIMBOR que, à época, empregaria cerca de 1000 trabalhadores; e populacionais, pois, argumentava-se que “(…) o seu núcleo populacional [de Ponte de Sor] ultrapassava os 13 000 habitantes (…)”.


                A verdade é que este projeto de lei, por motivos que não consegui descortinar, teve que ser renovado, na legislatura seguinte, através do projeto de lei nº 222/III, de 18 de outubro de 1983, apresentado novamente por quatro deputados do Partido Socialista, desta feita encabeçados por Gil Romão. O texto é fundamentalmente o mesmo, repetindo a mesma argumentação de cariz histórico, económico e populacional. Como forma desta pretensão se tornar uma realidade, havia que cumprir os requisitos previstos no artigo 13º da Lei nº 11/82, de 2 de junho, que regulava o regime de criação e extinção de autarquias locais e de designação e determinação da categoria das povoações. Este artigo era bastante claro em relação aos pressupostos que uma vila tinha de apresentar para se tornar cidade, visto que a redação do artigo afirmava perentoriamente que “ (…) uma vila só pode ser elevada à categoria de cidade quando conte com um número de eleitores, em aglomerado populacional contínuo, superior a 8000 e possua, pelo menos, metade de um conjunto de equipamentos (…)”, entre os quais se incluía um Museu e uma Biblioteca. Porém, o artigo seguinte da referida lei, isentava o cumprimento destes requisitos desde que “(…) importantes razões de natureza histórica, cultural e arquitetónica (…)” o justificassem, o que, na prática, significava que a atribuição do estatuto de cidade estava (e ainda está) sujeito a uma grande subjetividade por parte de quem avaliava os projetos de lei e, no limite, ao entendimento dos deputados da Assembleia da República.
                Ora, para avaliar o projeto de lei que propunha a elevação de Ponte de Sor a cidade, bem como de outras onze vilas com a mesma aspiração, foi criada, no seio da Comissão de Administração Interna e Poder Local, a Subcomissão para a Criação de Novas Freguesias, Vilas e Cidades. Esta, por sua vez, apreciou os diversos projetos de elevação de vilas ao estatuto de cidade e, com exceção dos casos de Peso da Régua e de Ponte de Sor, confirmou o cumprimento dos requisitos legalmente exigidos. Em relação à nossa cidade, num documento assinado pelo deputado do PSD Manuel Moreira e datado de 18 de junho de 1985, a subcomissão refere que no caso de Ponte de Sor “(…) o número de eleitores em aglomerado populacional contínuo é de 5670, não atingindo, portanto, o exigido pela Lei nº 11/82 (…)”. Assim, a subcomissão recomenda que “Deverá ser ponderado a aplicação da regra excepcional do art.º 14 da mesma Lei (…)”, muito embora, dentro  da referida regra, “(…) não se considerando suficientes as razões históricas evocadas (…)”.
                Ainda assim, o projeto de lei foi submetido integralmente à votação dos deputados, no dia 8 de julho de 1985, tendo sido aprovado com os votos favoráveis dos grupos parlamentares do PS (97 deputados) e PCP (44 deputados), acrescidos ainda do voto do social-democrata Malato Correia e de Hasse Fernandes, deputado do efémero partido da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS). No sentido oposto votaram os restantes 74 deputados do PSD, aos quais se juntou, da parte da UEDS, o deputado César Oliveira. Abstiveram-se ainda todo o grupo parlamentar do CDS que, à época, era composto por 30 deputados.

                Finalmente, após um percurso de mais de 4 anos, Ponte de Sor foi elevado à categoria de cidade, conjuntamente com outras 10 povoações que, tal como nós, comemoram esta efeméride na mesma data que Ponte de Sor. Tratam-se das agora cidades de Peso da Régua, Famalicão, Torres Novas, Águeda, Montijo, Olhão, Santa Maria da Feira, Rio Maior, Santo Tirso e Amarante.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Criando os chaparrais: dois séculos de montado de sobro no Alentejo


No próximo dia 5 de Julho, pelas 16h00, na Biblioteca Municipal de Ponte de Sor, será apresentado o livro da minha autoria «Criando os chaparrais: dois séculos de montado de sobro no Alentejo», através de uma conferência que incidirá naturalmente no conteúdo do mesmo.


O livro, prefaciado pelo Eng. Hugo Hilário, aborda, em pouco mais de 50 páginas, a evolução do montado de sobro alentejano ao longo da história, com o objetivo de conceder ao leitor uma visão geral sobre a «construção» do montado de sobro de uma forma despretensiosa e simples,mas séria e historiograficamente rigorosa.




Este sistema agro-florestal (e ecossistema), tal como ele se apresenta hoje – sem dúvida a principal imagem identificadora de grande parte do Alentejo –, não é mais do que o resultado de séculos de ações e transformações do Homem sobre a natureza. A uma primeira fase mais marcada pela destruição, opôs-se uma fase de construção do montado de sobro, cujas origens remontam a meados do século XVIII, mas que apenas se generalizou durante o século XIX aquando da valorização da cortiça como produto industrial. A obra acompanha assim as vicissitudes do montado de sobro, com especial incidência nos últimos duzentos anos, dando o devido destaque à ação de entidades privadas, às diferentes intervenções do Estado e, sobretudo, às consequências que daí advieram para um dos mais importantes setores da economia regional e nacional, visto que é em Portugal que o sobreiro encontra as melhores condições no planeta para o seu desenvolvimento.

Integrado na coleção «Chaparando: conversas à sombra de um sobreiro» da editora Apenas Livros, este é o primeiro número de uma coleção composta por «livros de bolso» e exclusivamente dedicada a temas alentejanos.





O livro será vendido pelo preço de 4,35 € e no lançamento será dado um marcador de livros em cortiça.

Por último, deixo-vos ainda um vídeo promocional que fizemos do evento https://www.youtube.com/watch?v=bBgMzaT1vp0

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Os primórdios da indústria corticeira em Ponte de Sor (1894-1964)


           Texto publicado na edição de Março de "A Ponte".

             Não obstante a sua presença no comércio internacional desde, pelo menos, a época medieval, a exploração sistemática de cortiça iniciou-se em França, no final do século XVII, devido à necessidade do fabrico de rolhas como forma de fornecer a produção vinícola local. Com o crescimento mundial do consumo de vinho, a indústria corticeira expandiu-se, já em meados do século XVIII, para a Catalunha e a Sardenha e, inclusivamente, até países não-produtores de cortiça, como, por exemplo, o Reino Unido e a Alemanha.
            
            O «renovado» negócio corticeiro chegou ao nosso país somente no final da primeira metade do século XIX. A proximidade com a matéria-prima era, à época, um dos principais fatores de localização industrial. Nesse sentido, desde «cedo» que no Alto Alentejo se fixaram algumas importantes corticeiras. O exemplo mais conhecido é a fábrica portalegrense de George Robinson, que já laborava em 1848, mas cuja fundação datará de 1840, por iniciativa de Thomas Reynolds, o seu primeiro proprietário.
            
           Aproveitando uma zona de intensa produção de cortiça, algumas das maiores multinacionais do mundo estabeleceram diversas unidades industriais no nosso concelho que, desde que existem registos, foi o principal produtor desta matéria-prima no distrito de Portalegre. Tratavam-se, habitualmente, de unidades preparadoras, mas com alguma dimensão. Foi o caso da multinacional britânica Henry Bucknall & Sons que, em 1894, já mantinha uma fábrica de preparação de cortiça nas Barreiras, seguindo-se, pouco depois, em 1902, a abertura de uma fábrica da família Reynolds, também de origem britânica. É de assinalar que Henry Bucknall foi um grande «capitão de indústria» a tal ponto que, aquando da sua morte, o New York Times dedicou-lhe uma pequena biografia no seu obituário. No entanto, talvez o caso mais conhecido, até ao estabelecimento da Amorim & Irmão, foi o da multinacional catalã Mundet que, ao entrar no mercado português no início do século XX, sentiu necessidade de ter várias unidades industriais junto da matéria-prima, tendo escolhido Ponte de Sor como um dos locais para esse efeito. Assim, em 1927, foi inaugurada, junto da atual rua D. José Mundet, uma fábrica empregando 30 trabalhadores, mas ampliada mais tarde para cerca de centena e meia.




            Em simultâneo, várias indústrias de pequena dimensão, com recurso a capital nacional, muitas vezes de carácter regional, têm vindo a funcionar no nosso concelho. Uma das primeiras parece ter sido a fábrica de José Pedro Pereira fundada, em 1907, na atual Rua do Rossio, passando mais tarde a funcionar junto do extinto Campo de Jogos Matuzarense. Este tipo de unidades multiplicou-se, funcionando, por vezes, como subsidiárias das grandes fábricas de capitais estrangeiros e, em 1952, para além da Mundet, outras seis corticeiras laboravam em Ponte de Sor. Algumas destas foram fundadas por descendentes de negociantes de cortiça algarvios que, em meados do século XIX, se deslocaram até Ponte de Sor como forma de obterem a matéria-prima com que forneciam o parque industrial corticeiro algarvio, com especial destaque para a zona de São Brás de Alportel. São os casos, por exemplo, da fábrica de António Rodrigues Carrusca que, em 1952, transformou 1050 toneladas de cortiça, ou da fábrica de Manuel de Sousa Eusébio. Outro exemplo é a Empresa Industrial de Pimentão, ainda hoje em atividade na Rua Manuel Adegas, que, nesse mesmo ano, transformou 750 toneladas de cortiça, setor que acabaria por abandonar alguns anos mais tarde. Quanto à Mundet, a sucursal de Ponte de Sor encerrou em 1964, enquanto a casa-mãe do Seixal teve um final dramático, em 1988, quando deixou no desemprego centenas de trabalhadores.
            
           Muito mais haveria para dizer relativamente a este assunto. Fica, no entanto, a ideia de que Ponte de Sor é historicamente um dos principais centros corticeiros de Portugal, tendo este setor marcado indiscutivelmente a economia e a sociedade local. Existe, portanto, uma secular tradição florestal e industrial, com um know-how associado, que continua a dar frutos e, sinceramente, espero se acentue ainda mais no futuro próximo para o bem comum da nossa comunidade.  

sexta-feira, 21 de março de 2014

Cultivar a terra, ocupar o espaço: os objetivos iniciais em torno da albufeira de Montargil

“A falta de água, que se tem, não pode embaraçar a fundação das novas povoações na província do Alentejo” (Silveira, 1789)

            Concluída em finais de 1958 e inaugurada no início do ano seguinte, a imponente barragem de Montargil é um dos principais marcos do concelho de Ponte de Sor e, sobretudo, da freguesia à qual deve o seu nome. O seu objetivo principal era o de dotar todo o vale do Sorraia de um canal de rega que permitisse, por um lado, o aumento exponencial da produção agrícola e, a partir daí, fomentar a colonização interna da região, combatendo uma das maiores desigualdades dicotómicas de Portugal: a existência de uma elevada densidade populacional no Norte, associada a uma exploração agrícola minifundiária; por oposição ao grande latifúndio a Sul, bem como a uma fraca ocupação humana do território.        
   
            Na realidade, a necessidade da irrigação dos «campos» do Sul de Portugal já vinha sendo debatida desde, pelo menos, a segunda metade do século XVIII, tendo em vista precisamente os mesmos objetivos. Por outro lado, num país cuja principal ocupação dos seus habitantes foi, até aos anos 1960, a agricultura, a sorte deste setor determinava inevitavelmente a evolução da economia portuguesa, pelo que o aumento da produção agrícola foi uma das preocupações principais de académicos, políticos e proprietários. Assim, os planos de irrigação a Sul, onde a agricultura sofria com verões prolongados, secos e quentes, a que se juntava, em grande parte do território, um solo demasiado estreito com uma reduzida capacidade de armazenar humidade, foi um dos primeiros assuntos abordados pelos membros da Academia Real das Ciências de Lisboa.

            Nesse sentido, no “Racional discurso sobre a agricultura e população da província do Alentejo”, publicado pela referida Academia, em 1789, António Henriques da Silveira identifica a variação do caudal dos cursos de água do Alentejo – muito reduzido no Verão e demasiado abundante no Inverno – como um dos problemas que afetava a agricultura na região e, consequentemente, obstava a uma maior fixação de populações. Este autor dá assim o mote para uma prolongada – mas unânime – discussão, na qual diversos atores políticos identificaram a necessidade de um plano hidroagrícola para o Alentejo. Com os caudais regulados e garantindo-se o permanente abastecimento de água às principais culturas, as extensas herdades alentejanas teriam condições para contribuir decisivamente para o desenvolvimento económico português. A questão atravessa todo o século XIX, assim como o período da I República, contando com diversos estudos e projetos de lei para a concretização de outros tantos planos de rega, condensados, frequentemente, na vaga expressão «A irrigação do Alentejo» – talvez o mais famoso seja o «Projecto de Lei do Fomento Rural», datado de 1884 e da autoria de Oliveira Martins –, mas que nunca saíram do mero plano teórico.

            O verdadeiro arranque prático destas ideias dá-se, em 1937, com o Plano de Obras de Hidráulica Agrícola aprovado, no ano seguinte, pela Câmara Corporativa. Este, cujo término estava previsto para o ano de 1950, pressuponha a realização de um conjunto de obras que permitiria regar cerca de 400 mil hectares em todo o território nacional. No entanto, a sua execução prática não só não obedeceu ao calendário previsto, como tão-pouco a área de regadio atingiu cifras tão elevadas. Foi precisamente neste plano que se inclui a construção da barragem de terra de Montargil, cujo projeto final foi publicado, pelo Ministério das Obras Públicas, em 1944. Uma década mais tarde iniciaram-se as obras que envolveram também a construção de uma central hidroelétrica. O resultado foi uma área beneficiada de 15 365 hectares, dos quais somente 531 hectares se situam no concelho de Ponte de Sor, e uma produção anual média de 5,9 GWh. Se o aumento da área de regadio, responsável, por exemplo, pelo crescimento da produção orizícola na região, foi (e é) uma realidade, já os planos de redistribuição e reocupação do território, a cargo da então criada Junta de Colonização Interna, ficaram quase todos por cumprir, com exceção da pequena localidade de Foros de Almada.

Para mais leituras:
Baptista, Fernando Oliveira. 1993. A política agrária do Estado Novo. Lisboa: Afrontamento.
Cardoso, José Luís, e Academia Real das Ciências de Lisboa. 1991. Memórias económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa, para o adiantamento da agricultura, das artes, e da indústria em Portugal, e suas conquistas (1789-1815). Banco de Portugal. 5 vols. Lisboa.

Portugal. Plano de Fomento Agrário. 1995. Inquérito agrícola e florestal do concelho de Ponte de Sor. Ponte de Sor: s.n.
Silva, Elisa Lopes. 2011.A propriedade e os seus sujeitos: colonização interna e colónias agrícolas durante o Estado Novo. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, dissertação de Mestrado.

P.S. - Texto publicado na edição passada do Arauto de Montargil

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Entre Ingleses e Algarvios: a compra de cortiça no «mato montargilense» oitocentista

“As grandes tiragens são compradas pelos grandes industriais e fabricantes, e as pequenas por um aluvião de compradores algarvios, que de muitas parcelas adquiridas em várias herdades chegam a dispor de porções importantes”. (Picão, 1903)
           
            Foi desta forma que José da Silva Picão descreveu, em 1903, na clássica obra «Através dos Campos: usos e costumes agrícolas alentejanos», o mercado florestal de cortiça do Alentejo oitocentista. De facto, a afirmação do autor elvense, ainda que não sustentada empiricamente por qualquer estudo de carácter quantitativo, parece comprovar-se nos municípios que tenho vindo a estudar. Era assim no concelho de Portalegre, onde os grandes industriais, representados quase em exclusivo pela firma de origem britânica Robinson Cork Grewers, partilhavam a liderança da aquisição de cortiça no «mato» com inúmeros pequenos industriais algarvios.

Gráfico 1 – Distribuição percentual da quantidade de cortiça adquirida no concelho de Portalegre (1848-1914)



            O mesmo se verificava no concelho de Ponte de Sor, onde, desta feita a Robinson era substituída, como a principal «representante» das grandes multinacionais corticeiras, pela firma Henry Bucknall & Sons, igualmente, como o nome denúncia, de origem britânica.

Gráfico 2 – Distribuição percentual da quantidade de cortiça adquirida no concelho de Ponte de Sor (1857-1909)



            Resta esclarecer a forma como foram obtidos estes dados, até porque, desta forma, o leitor compreenderá uma das principais particularidades do mercado florestal de cortiça no século XIX. A aquisição de matéria-prima, ao contrário do que ocorre atualmente, realizava-se essencialmente através da celebração de contratos de arrendamento de cortiça na árvore. Esta característica estendia-se não só a todo o Sul de Portugal, como também era bastante frequente nas principais regiões corticeiras espanholas: Extremadura e Andaluzia. Consequentemente, quer se tratassem de grandes ou pequenos industriais; quer fossem de origem portuguesa, espanhola, britânica ou norte-americana, todos os compradores celebraram milhares de contratos de arrendamento de cortiça nos diversos cartórios notariais dos principais municípios ibéricos produtores de cortiça.
            Assim, esta documentação contém bastante informação sobre o funcionamento do mercado florestal de cortiça, permitindo, desde logo, análises relativamente simples, diretas, mas pertinentes como a identificação dos principais compradores de cortiça. Por outro lado, também questões complexas podem ser abordadas: a aferição da eficiência económica deste tipo de contratos, a identificação de determinadas estratégias empresariais, entre outras. Na gestão empresarial destacam-se, por exemplo, a integração vertical ou a constituição de redes comerciais, cujas repercussões se estendem à formação do preço da cortiça e aos fatores de localização industrial.


Figura 1 - Tiradores de cortiça (Séc. XIX)


Fonte: Menéres, Clemente - 40 annos de Traz-Os-Montes.

As propriedades montargilenses não constituíram exceção ao cenário já descrito. De forma alternada, foram realizados, por parte de industriais algarvios, centenas de arrendamentos de montantes relativamente modestos e, em simultâneo, grandes contratos quase sempre assinados em nome da Henry Bucknall & Sons. Assim, por exemplo, em 1857, na Herdade da Amieira, José Brito da Mana, natural de São Brás de Alportel, adquiriu o direito às tiragens de cortiça daquela propriedade por um período de 9 anos, mediante o pagamento de 208 mil réis ao seu proprietário, José Maria Ferreira. Posteriormente, em 1877, a Henry Bucknall & Sons, através do seu representante local, Manuel Tomás, residente em Nisa, explorou, por um período de 8 anos, a cortiça produzida na Herdade de S. Martinho, cabendo ao seu proprietário, António Rosado, a quantia de 2 contos (milhões) de réis. Este último contrato, ainda que o montante se tenha cifrado numa quase decuplicação do exemplo anterior, fica muito aquém dos maiores contratos celebrados pela multinacional britânica no concelho de Ponte de Sor.

            Para o demonstrar basta referir que Francisco Vaz Monteiro arrendou, em 1894, por um período de 12 anos, a cortiça de mais de uma dezena das suas propriedades, que se estendiam desde Avis, passando por Montargil, e até Ponte de Sor, pela quantia de 43 milhões de réis, o equivalente ao salário anual de mais de 450 trabalhadores agrícolas, visto que, nesse ano, o salário médio diário daqueles rondaria os 340 réis. Este contrato apresenta-se como um exemplo bastante peculiar, devido aos constrangimentos que Vaz Monteiro, ciente da fragilidade dos sobreiros que acabara de arrendar, conseguiu impor à Henry Bucknall & Sons ao nível das melhores práticas suberícolas da época. Mas essa é uma história que ficará, para já, por contar.    

P.S. - Texto publicado na edição de Janeiro do periódico local Arauto de Montargil.