sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

A Colonização Interna do Alentejo

A ideia de Reforma Agrária é, em Portugal, muito anterior ao PREC, que se desenvolveu entre 1974 e 1975, embora, evidentemente, com outras características e objetivos. Podemos encontrá-la, desde logo, no período do Estado Novo, associada ao praticamente fracassado processo de Colonização Interna, que  se materializou, entre outros aspetos, na formação, em 1936, de um organismo corporativo destinado a promover a ocupação agrícola do grande latifúndio existente no Sul de Portugal.


No entanto, se recuarmos até ao século XIX, o reformismo agrário encontra-se plenamente presente no discurso político e, inclusivamente, em algumas medidas concretas. A ideia é simples e, talvez também por isso, sedutora, já que pressupunha o combate a uma das maiores desigualdades históricas dicotómicas de Portugal, a existência do minifúndio a Norte, por oposição ao grande latifúndio a Sul.

A resposta residia na concentração do minifúndio do Norte e, simultaneamente, pela divisão das grandes propriedades do Sul, exploradas por famílias nortenhas que, desta forma, colonizariam também o já despovoado Alentejo (embora, em termos relativos e, em alguns casos, absolutos, menos despovoado que atualmente).

Não é então de admirar que o artigo 18º do regulamento da Escola Prática de Agricultura de Portalegre, publicado em 1887, explicite o seguinte: "Faz parte da escola e constitue a sua base fundamental (...) uma colonia agricola composta de dez familias, contratadas pelo governo, das quaes oito pertencerão ás provincias do norte do paiz e duas ao Alentejo".

Para uma leitura mais aprofundada desta questão no contexto do Estado Novo:

Silva, Maria Elisa. 2011. A propriedade e os seus sujeitos: colonização interna e colónias agrícolas durante o Estado Novo. Dissertação de Mestrado, Lisboa: Universidade Nova de Lisboa.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Em resposta ao "Crescimento populacional de Ponte de Sor"

Muito interessante o teu último post, Carlinhos. Registo o desafio e disponho-me a colaborar em tudo o que me for possível, mas é óbvio que este tema tem muito mais a ver com os assuntos que tu estudas do que com os meus. As dinâmicas de crescimento e de desenvolvimento económico e demográfico são o teu domínio :) Vou agora começar a ver uma série de documentos do Arquivo Municipal de Ponte de Sor, identificados simplesmente como "Mapas estatísticos diversos", existentes para todo o século XIX e ínicios do XX. Pode ser que venham contribuir para esclarecer alguns aspectos! Vou dando conta do que encontrar.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O crescimento populacional de Ponte de Sor (Séc. XX)

Hoje estive a consultar as publicações do Conselho Distrital de Agricultura de Portalegre, um organismo que funcionou, no século XIX, dependente da Direcção-Geral de Agricultura que, por sua vez, estava integrada no Ministério das Obras Públicas Comércio e Indústria. 

Entre as publicações contam-se os "Annaes Agrícolas" com dados estatísticos da produção agrícola, das observações meteorológicas, mas também contendo informações sobre o ensino agrícola, entre muitos outros aspetos. Curiosamente, como forma de se caracterizar o Distrito, publicou-se, logo no primeiro número, referente ao biénio 1878-79, um quadro com a população do distrito discriminada por concelho e, num outro quadro, por freguesia.

Saltou-me logo à vista o escasso efetivo do Concelho de Ponte de Sor, atualmente o terceiro mais populoso do Distrito. Na realidade, já desconfiava que historicamente o Concelho de Ponte de Sor era pouco povoado, sendo que, provavelmente, quanto mais recuarmos, menor será a dimensão populacional do Concelho no conjunto do Distrito de Portalegre. 

Quadro 1 - População do Distrito de Portalegre discriminada por Concelho 


1878
1901
1940
1960
1980
2011
Alter do Chão
5.827
8.033
9.328
8.383
4.839
3.562
Arronches
4.209
4.693
7.121
6.818
4.332
3.119
Avis
5.330
6.731
8.981
8.977
5.865
4.559
Campo Maior
5.681
5.895
9.040
9.887
8.439
8.456
Castelo  Vide
6.255
6.505
7.361
6.538
4.182
3.407
Crato
5.447
5.810
9.216
8.642
5.572
3.708
Elvas
20.584
20.722
29.080
28.562
24.444
23.078
Fronteira
3.002
3.392
7.550
7.063
4.428
3.410
Gavião
5.030
6.364
10.439
10.049
6.601
4.132
Marvão
5.428
5.987
7.630
7.478
5.410
3.512
Monforte
5.489
5.235
8.087
7.425
4.140
3.329
Nisa
9.812
12.976
18.963
17.976
10.390
7.450
Ponte de Sor
6.009
7.923
19.232
21.902
17.701
16.691
Portalegre
14.861
18.510
25.815
28.384
27.391
24.930
Sousel
4.411
5.921
11.201
10.578
7.203
5.074
Total
107.375
124.697
189.044
188.662
140.937
118.417

Outra suspeita que tenho é que este desenvolvimento está em muito relacionado com a construção do caminho-de-ferro que constituiu, em Ponte de Sor, um pólo de atração de populações e indústrias. Esta minha suspeita relaciona-se com o facto da construção da rede ferroviária ter, de uma forma geral, contribuído para o desenvolvimento populacional, em termos absolutos e relativos, das freguesias e concelhos que beneficiaram com esta acessibilidade, a partir da segunda metade do século XIX (Silveira et al. 2011).


Simultaneamente, a indústria também se deslocalizou para junto dos principais eixos de transportes, a maior parte deles situados no litoral, no entanto, conhecendo um pouco da dinâmica industrial de Ponte de Sor, talvez esta localidade tenha sido uma das poucas do interior a aumentar, em termos relativos nacionais, a concentração industrial. Seria uma interessante questão a investigar a nível local. 


                                                                        Quadro 2 
                  População do Concelho de Ponte de Sor relativamente ao total Distrital (%)


1878
1901
1940
1960
1980
2011
Ponte de Sor
5,60
6,35
10,17
11,61
12,56
14,10

Este último fator torna-se particularmente significativo se atendermos ao facto que a localização industrial é um dos parâmetros mais importantes para o desenvolvimento económico e responsável pela fixação de populações, devido à especial capacidade dinamizadora do conjunto da economia que supõe uma atividade deste tipo. É, portanto, bastante comum identificar-se industrialização com desenvolvimento económico e carência de indústria com atraso. Assim, com poucas exceções, não existem países ou regiões desenvolvidos que não se destaquem pela dimensão e produtividade do seu setor industrial.

Outra questão que me faz presumir este efeito dos caminhos-de-ferro é a progressiva concentração da população do concelho na sua sede. No entanto, também se pode argumentar que este efeito deve-se mais ao facto da vila, mais tarde cidade, de Ponte de Sor acolher a grande maioria dos serviços do Estado. De facto, quando o Estado tinha um peso consideravelmente menor do que atualmente, o esvaziamento das outras freguesias em direção à sede de concelho não parecia estar ainda a formar-se, como se pode ser nos seguintes quadros.


Quadro 3 - População do Concelho de Ponte de Sor discriminada por Freguesia


1864
1878
Galveias
1.419
1.513
Montargil
1.082
1.939
Ponte Sor
2.311
2.557
Total
4.812
6.009


Atualmente o peso da sede de Concelho é esmagador por comparação com o século XIX.

                                                                             Quadro 4 
                  População da Freguesia de Ponte de Sor relativamente ao total do Concelho (%)


1864
1878
2011*
Ponte Sor
48
43
74,31

Faltam, no entanto, muito dados e muito estudo para se poder confirmar estas minhas suspeitas. Ter-se-ia que analisar toda a dinâmica populacional do Distrito de Portalegre e do Concelho de Ponte de Sor, nos últimos duzentos anos. Por outro lado, a contabilização do trabalho industrial e do rendimento per capita,  nestes parâmetros, seria também bastante importante.

É um trabalho moderadamente demorado e para o qual não terei disponibilidade nos próximos dois a três anos. Talvez no futuro tenha essa disponibilidade ou, por outro lado, a Ana Isabel o queira fazer.

* Para este cálculo adicionei a população das freguesias de Tramaga, Longomel e Vale de Açor de forma a reconstruir uma unidade administrativa historicamente comparável, visto que em 1993, a freguesia de Ponte de Sor foi desmembrada destas freguesias. 

sábado, 15 de dezembro de 2012

Património Histórico de Ponte de Sor: Os moinhos de água (II)

Tenho uma certa relação afectiva com os Moinhos de Água que se situavam (e alguns ainda se situam, apesar de inactivos) ao longo da Ribeira de Sor, no concelho de Ponte de Sor. 


Dediquei-lhes um post aqui, e umas linhas aqui: "Ao longo da primeira metade do século XX, a economia montargilense manteve o seu carácter predominantemente rural, com o processamento de produtos agrícolas a constituir uma das principais áreas de investimento da indústria local (...) embora tenha existido um esforço de maquinização da lavoura alentejana, sabendo-se, por exemplo, que em Montargil se registaram algumas debulhadoras mecânicas entre 1922 e 1950, permaneceram muitos dos modos de produção arcaicos. Tal é confirmado pelo número elevado de moinhos que continuaram a laborar e pelo facto de a indústria da panificação ter mantido a utilização de fornos de origem pré-industrial." em Faísca, Carlos Manuel. 2011. «Introdução Histórica». Em Montargil na rota do sagrado, ed Associação Nova Cultura de Montargil, 10–19. Montargil: Associação Nova Cultura de Montargil.


Finalmente consegui identificar o número de moinhos que laboravam no concelho de Ponte de Sor, antes da destruição de muitos, na freguesia de Montargil, devido à construção da respectiva barragem. Assim, o número total de moinhos identificados neste concelho ascendia, em 1952, a 45, laborando todos mais de duzentos dias por ano, com a excepção de quatro cujo número de dias de trabalho aproximava-se dos trezentos. Neste período de tempo, estes exemplos de indústrias agrícolas de carácter familiar seriam responsáveis pela moagem de 615 toneladas de milho, 250 toneladas de trigo e 33 toneladas de centeio. 

Não faço ainda ideia o que é que estes valores representam na produção total do concelho, mas é algo que se poderá descobrir, bastando consultar as Estatísticas Agrícolas publicada pelo INE, onde são discriminadas as produções concelhias. A fonte de todas estas informações é o Inquérito Agrícola e Florestal do Concelho de Ponte de Sor, publicado em 1952.

Moinhos de Água activos no Concelho de Ponte de Sor (1952)

Freguesia
Nº Moinhos
Ponte  Sor
27
Montargil
17
Galveias
1



sábado, 1 de dezembro de 2012

Produção Industrial de Cortiça em Ponte de Sor e rendimentos do montado pontessorense (1952)

Há dias, no âmbito do projeto "Agriculture in Portugal: Food, Development and Sustainability (1870-2010)", dei comigo perante mais de 280 inquéritos agrícolas de florestais, elaborados nos anos 1950, de outros tantos concelhos de Portugal Continental. Tenho-os, provisoriamente, no gabinete que me foi cedido no ICS/UL. Aproveitei para dar uma vista de olhos nos relatórios dos concelhos que de alguma forma têm uma relação comigo. Infelizmente, os relatórios relativos a Tavira e Lisboa (se é que houve algum destinado à capital portuguesa) não constam deste lote. Ainda assim, tenho acesso aos relatórios do concelho de Ponte de Sor e Castro Marim.

Admito que estou impressionado com o nível de detalhe da informação que estes inquéritos contêm, pois são descritas minuciosamente todas as atividades florestais, a estrutura da propriedade agrícola, a ocupação do território, toda a produção agrícola, os níveis dos salários agrícolas, as indústrias existentes e....muito, mas MUITO mais!




Só sobre o setor corticeiro, o qual pretendo estudar para um período mais recuado (1834-1914), ficamos a saber a superfície de montado em cada concelho, a quantidade de cortiça extraída, a produção industrial concelhia e os lucros daí resultantes, entre outros aspetos. Imaginar que esta informação existe para todo o território nacional, dá-me quase vontade de alterar o âmbito cronológico da minha tese, mas não o farei. O setor corticeiro português conta já com diversos estudos para o seu período mais florescente, isto é, o século XX, e o mais estimulante é investigar em terreno menos explorado.

Deixo-vos aqui informação sobre a produção industrial de cortiça, no concelho de Ponte de Sor, em 1952, e também um outro quadro que demonstra como este produto era de longe o mais importante para a economia local.

Quadro 1 - Produção industrial de Cortiça em Ponte de Sor (1952)


Nome da Empresa
Produção (arrobas)
António Rodrigues Carrusca
70.000
Empresa Industrial de Pimentão
50.000
João Lobato
12.000
Joaquim Prates
35.000
José de Matos
25.000
Manuel de Sousa Eusébio
10.000
Mundet & Cª, Lda.
280.000
Total
482.000












Quadro 2 - Rendimento retirado dos montados do Concelho de Ponte de Sor (1952)





Produto
Valor
(contos)
Cortiça
27.307
Carne de Porco
3.786
Pastagem
483
Árvores abatidas
1.030
Despejos de poda
4.680
Total
37.286




P.S. 1 - Também existem informações sobre a Fábrica de Moagem e Descasque de Arroz cujo edíficio é hoje o Centro de Artes e Cultura, mas isso fica para uma outra oportunidade.

P.S. 2 - Se alguma entidade, individual ou coletiva, estiver interessada em apoair a publicação deste relatório, pode falar comigo que, caso não existam problemas legais com os direitos de autor, a equipa do projeto está interessada em fazê-lo.