Os dois sobre a ponte
Local de participação pública, moderada e CONSTRUTIVA de todos os cidadãos numa lógica de cidadania activa e participativa.
terça-feira, 22 de novembro de 2016
domingo, 17 de julho de 2016
Foros de Arrão: Um exemplo de «colonização interna espontânea»?
Em Portugal, a
propriedade rural encontra-se historicamente dividida de uma forma bastante
desigual. Assim, enquanto no Norte impera a pequena e a muito pequena
propriedade, no Sul, por oposição, a larga maioria da superfície agrícola é
ocupada pela grande propriedade e pelo latifúndio. Ao longo dos séculos vários
fatores contribuíram para esta situação, desde logo a forma como se construiu o
espaço nacional a Sul do Tejo – a concessão de regimes vinculares às Ordens
Religiosas Militares –, passando por fatores de ordem ecológico-agrícola – a
menor produtividade da terra a Sul relacionada, entre outros motivos, com uma
crónica escassez de água –, a menor pressão populacional a Sul do Tejo, etc.
Figura 1 - Distribuição da propriedade em Portugal (1934)
Figura 1 - Distribuição da propriedade em Portugal (1934)
Figura 2 - Durante o Estado Novo, a Junta de Colonização Interna irá recuperar algumas destas ideias, mas pouca aplicação prática
Fora destas ideias mais radicais, a
verdade é que alguns proprietários promoveram, na viragem do século XIX para o
século XX, movimentos colonizadores nas suas terras, através do aforamento ou arrendamento a longo prazo de
glebas de baixa produtividade a famílias vindas de outras regiões. Assim, os
proprietários conseguiram fixar força de trabalho junto das suas explorações
agrícolas, que, devido à baixa qualidade das terras aforadas, teria que
trabalhar também em regime assalariado como forma de complementar o orçamento
familiar.
Muitos destes locais receberam topónimos de Foros e parece-me que poderá ter sido o caso de Foros
de Salgueira, mas, sobretudo, de Foros de Arrão já que a fundação da
localidade deve-se ao aforamento promovido por Pedro Aleixó Falcão, da Herdade
do Arrão no ano de 1912. Trata-se, sem dúvida, de um assunto que merece uma
investigação aprofundada para que a historiografia local possa finalmente
compreender todos os impactos das diferentes políticas de «colonização interna»
no nosso concelho, fossem estas de carácter público ou promovidas por privados,
sabendo-se que a última e principal consequência foi a construção da barragem
de Montargil.
* Repare-se no povoamento concentrado em torno de Rio Frio no caso de uma exploração direta da propriedade e do povoamento disperso da zona aforada. Esta característica ainda hoje se pode observar, por exemplo, em Foros de Arrão e em Foros de Almada (Coruche).
Figura 3 - Os Foros de José Maria dos Santos (Pinhal Novo) são um exemplo conhecido de «colonização espontânea»*
* Repare-se no povoamento concentrado em torno de Rio Frio no caso de uma exploração direta da propriedade e do povoamento disperso da zona aforada. Esta característica ainda hoje se pode observar, por exemplo, em Foros de Arrão e em Foros de Almada (Coruche).
quarta-feira, 20 de agosto de 2014
O processo de elevação de Ponte de Sor a cidade
Texto publicado na edição de Julho do Jornal «A Ponte»:
No próximo dia 8
de Julho celebrar-se-ão os vinte e nove anos de elevação da então vila de Ponte
de Sor ao estatuto de «cidade». Na realidade, ao contrário do que acontecia,
por exemplo, no período medieval, em que ser-se cidade pressupunha a existência
de uma sede episcopal, esta designação há muito que não tem quaisquer
consequências práticas – para além de meramente honoríficas –, mas isso não
significou que todo o processo administrativo desencadeado tenha sido célere.
A proposta de elevação de Ponte
de Sor a cidade foi apresentada na Assembleia da República, pela primeira vez,
a 9 de Janeiro de 1981, através do projeto de lei nº 106/11 assinado por um
trio de deputados do Partido Socialista encabeçado pelo Portalegrense Miranda
Calha. No referido projeto de lei, justificava-se esta pretensão por motivos
históricos – embora o texto cometa alguns erros históricos, atualmente já
desmistificados –; económicos, com destaque para o impacto regional da Feira de
Outubro e a existência de um importante setor industrial, salientando-se ainda
a presença da CIMBOR que, à época, empregaria cerca de 1000 trabalhadores; e
populacionais, pois, argumentava-se que “(…) o seu núcleo populacional [de Ponte de Sor] ultrapassava os 13 000 habitantes (…)”.
A verdade é que este projeto de
lei, por motivos que não consegui descortinar, teve que ser renovado, na
legislatura seguinte, através do projeto de lei nº 222/III, de 18 de outubro de
1983, apresentado novamente por quatro deputados do Partido Socialista, desta
feita encabeçados por Gil Romão. O texto é fundamentalmente o mesmo, repetindo
a mesma argumentação de cariz histórico, económico e populacional. Como forma
desta pretensão se tornar uma realidade, havia que cumprir os requisitos
previstos no artigo 13º da Lei nº 11/82, de 2 de junho, que regulava o regime
de criação e extinção de autarquias locais e de designação e determinação da
categoria das povoações. Este artigo era bastante claro em relação aos
pressupostos que uma vila tinha de apresentar para se tornar cidade, visto que
a redação do artigo afirmava perentoriamente que “ (…) uma vila só pode ser elevada à categoria de cidade quando conte com um
número de eleitores, em aglomerado populacional contínuo, superior a 8000 e
possua, pelo menos, metade de um conjunto de equipamentos (…)”, entre os
quais se incluía um Museu e uma Biblioteca. Porém, o artigo seguinte da
referida lei, isentava o cumprimento destes requisitos desde que “(…) importantes razões de natureza histórica,
cultural e arquitetónica (…)” o justificassem, o que, na prática,
significava que a atribuição do estatuto de cidade estava (e ainda está)
sujeito a uma grande subjetividade por parte de quem avaliava os projetos de
lei e, no limite, ao entendimento dos deputados da Assembleia da República.
Ora, para avaliar o projeto de
lei que propunha a elevação de Ponte de Sor a cidade, bem como de outras onze
vilas com a mesma aspiração, foi criada, no seio da Comissão de Administração Interna e Poder Local, a Subcomissão para a Criação de Novas Freguesias,
Vilas e Cidades. Esta, por sua vez, apreciou os diversos projetos de
elevação de vilas ao estatuto de cidade e, com exceção dos casos de Peso da
Régua e de Ponte de Sor, confirmou o cumprimento dos requisitos legalmente
exigidos. Em relação à nossa cidade, num documento assinado pelo deputado do
PSD Manuel Moreira e datado de 18 de junho de 1985, a subcomissão refere que no
caso de Ponte de Sor “(…) o número de
eleitores em aglomerado populacional contínuo é de 5670, não atingindo,
portanto, o exigido pela Lei nº 11/82 (…)”. Assim, a subcomissão recomenda
que “Deverá ser ponderado a aplicação da regra excepcional do art.º 14 da mesma
Lei (…)”, muito embora, dentro da
referida regra, “(…) não se considerando
suficientes as razões históricas evocadas (…)”.
Ainda assim, o projeto de lei foi
submetido integralmente à votação dos deputados, no dia 8 de julho de 1985,
tendo sido aprovado com os votos favoráveis dos grupos parlamentares do PS (97
deputados) e PCP (44 deputados), acrescidos ainda do voto do social-democrata
Malato Correia e de Hasse Fernandes, deputado do efémero partido da União da
Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS). No sentido oposto votaram os
restantes 74 deputados do PSD, aos quais se juntou, da parte da UEDS, o
deputado César Oliveira. Abstiveram-se ainda todo o grupo parlamentar do CDS
que, à época, era composto por 30 deputados.
Finalmente, após um percurso de
mais de 4 anos, Ponte de Sor foi elevado à categoria de cidade, conjuntamente
com outras 10 povoações que, tal como nós, comemoram esta efeméride na mesma
data que Ponte de Sor. Tratam-se das agora cidades de Peso da Régua, Famalicão,
Torres Novas, Águeda, Montijo, Olhão, Santa Maria da Feira, Rio Maior, Santo
Tirso e Amarante.
quarta-feira, 2 de julho de 2014
Criando os chaparrais: dois séculos de montado de sobro no Alentejo
No próximo dia 5 de Julho, pelas 16h00, na Biblioteca Municipal de Ponte de Sor, será apresentado o livro da minha autoria «Criando os chaparrais: dois séculos de montado de sobro no Alentejo», através de uma conferência que incidirá naturalmente no conteúdo do mesmo.
O livro, prefaciado pelo Eng. Hugo Hilário, aborda, em pouco mais de 50 páginas, a evolução do montado de sobro alentejano ao longo da história, com o objetivo de conceder ao leitor uma visão geral sobre a «construção» do montado de sobro de uma forma despretensiosa e simples,mas séria e historiograficamente rigorosa.
Integrado na coleção «Chaparando: conversas à sombra de um sobreiro» da editora Apenas Livros, este é o primeiro número de uma coleção composta por «livros de bolso» e exclusivamente dedicada a temas alentejanos.
O livro será vendido pelo preço de 4,35 € e no lançamento será dado um marcador de livros em cortiça.
Por último, deixo-vos ainda um vídeo promocional que fizemos do evento https://www.youtube.com/watch?v=bBgMzaT1vp0
quarta-feira, 9 de abril de 2014
Os primórdios da indústria corticeira em Ponte de Sor (1894-1964)
Texto publicado na edição de Março de "A Ponte".
Não obstante a sua presença no comércio internacional
desde, pelo menos, a época medieval, a exploração sistemática de cortiça
iniciou-se em França, no final do século XVII, devido à necessidade do fabrico
de rolhas como forma de fornecer a produção vinícola local. Com o crescimento
mundial do consumo de vinho, a indústria corticeira expandiu-se, já em meados do
século XVIII, para a Catalunha e a Sardenha e, inclusivamente, até países não-produtores
de cortiça, como, por exemplo, o Reino Unido e a Alemanha.
O «renovado»
negócio corticeiro chegou ao nosso país somente no final da primeira metade do
século XIX. A proximidade com a matéria-prima era, à época, um dos principais
fatores de localização industrial. Nesse sentido, desde «cedo» que no Alto
Alentejo se fixaram algumas importantes corticeiras. O exemplo mais conhecido é
a fábrica portalegrense de George Robinson, que já laborava em 1848, mas
cuja fundação datará de 1840, por iniciativa de Thomas Reynolds, o seu primeiro proprietário.
Aproveitando uma zona de intensa produção de cortiça, algumas
das maiores multinacionais do mundo estabeleceram diversas unidades industriais
no nosso concelho que, desde que existem registos, foi o principal produtor
desta matéria-prima no distrito de Portalegre. Tratavam-se, habitualmente, de
unidades preparadoras, mas com alguma dimensão. Foi o caso da multinacional
britânica Henry Bucknall & Sons que, em 1894, já mantinha uma
fábrica de preparação de cortiça nas Barreiras, seguindo-se, pouco depois, em
1902, a abertura de uma fábrica da família Reynolds, também de origem
britânica. É de assinalar que Henry Bucknall foi um grande «capitão de
indústria» a tal ponto que, aquando da sua morte, o New York Times
dedicou-lhe uma pequena biografia no seu obituário. No entanto, talvez o caso
mais conhecido, até ao estabelecimento da Amorim & Irmão, foi o da
multinacional catalã Mundet que, ao entrar no mercado português no
início do século XX, sentiu necessidade de ter várias unidades industriais
junto da matéria-prima, tendo escolhido Ponte de Sor como um dos locais para esse
efeito. Assim, em 1927, foi inaugurada, junto da atual rua D. José Mundet, uma
fábrica empregando 30 trabalhadores, mas ampliada mais tarde para cerca de
centena e meia.
Em simultâneo, várias indústrias de pequena dimensão, com recurso a capital nacional, muitas vezes de
carácter regional, têm vindo a funcionar no nosso concelho. Uma das primeiras
parece ter sido a fábrica de José Pedro Pereira fundada, em 1907, na atual Rua
do Rossio, passando mais tarde a funcionar junto do extinto Campo de Jogos
Matuzarense. Este tipo de unidades multiplicou-se, funcionando, por vezes, como
subsidiárias das grandes fábricas de capitais estrangeiros e, em 1952, para
além da Mundet, outras seis corticeiras laboravam em Ponte de Sor.
Algumas destas foram fundadas por descendentes de negociantes de cortiça
algarvios que, em meados do século XIX, se deslocaram até Ponte de Sor como
forma de obterem a matéria-prima com que forneciam o parque industrial
corticeiro algarvio, com especial destaque para a zona de São Brás de Alportel.
São os casos, por exemplo, da fábrica de António Rodrigues Carrusca que, em
1952, transformou 1050 toneladas de cortiça, ou da fábrica de Manuel de Sousa
Eusébio. Outro exemplo é a Empresa Industrial de Pimentão, ainda hoje em
atividade na Rua Manuel Adegas, que, nesse mesmo ano, transformou 750 toneladas
de cortiça, setor que acabaria por abandonar alguns anos mais tarde. Quanto à Mundet,
a sucursal de Ponte de Sor encerrou em 1964, enquanto a casa-mãe do Seixal teve
um final dramático, em 1988, quando deixou no desemprego centenas de
trabalhadores.
Muito mais haveria para dizer relativamente a este
assunto. Fica, no entanto, a ideia de que Ponte de Sor é historicamente um dos principais centros corticeiros de
Portugal, tendo este setor marcado indiscutivelmente a economia e a sociedade
local. Existe, portanto, uma secular tradição florestal e industrial, com um know-how
associado, que continua a dar frutos e, sinceramente, espero se acentue ainda
mais no futuro próximo para o bem comum da nossa comunidade.
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sexta-feira, 21 de março de 2014
Cultivar a terra, ocupar o espaço: os objetivos iniciais em torno da albufeira de Montargil
“A falta de água, que se tem, não
pode embaraçar a fundação das novas povoações na província do Alentejo”
(Silveira, 1789)
Concluída em finais de 1958 e inaugurada
no início do ano seguinte, a imponente barragem de Montargil é um dos
principais marcos do concelho de Ponte de Sor e, sobretudo, da freguesia à qual
deve o seu nome. O seu objetivo principal era o de dotar todo o vale do Sorraia
de um canal de rega que permitisse, por um lado, o aumento exponencial da
produção agrícola e, a partir daí, fomentar a colonização interna da região, combatendo
uma das maiores desigualdades dicotómicas de Portugal: a existência de uma
elevada densidade populacional no Norte, associada a uma exploração agrícola minifundiária;
por oposição ao grande latifúndio a Sul, bem como a uma fraca ocupação humana
do território.
Na realidade, a necessidade da
irrigação dos «campos» do Sul de Portugal já vinha sendo debatida desde, pelo
menos, a segunda metade do século XVIII, tendo em vista precisamente os mesmos
objetivos. Por outro lado, num país cuja principal ocupação dos seus habitantes
foi, até aos anos 1960, a agricultura, a sorte deste setor determinava
inevitavelmente a evolução da economia portuguesa, pelo que o aumento da
produção agrícola foi uma das preocupações principais de académicos, políticos e
proprietários. Assim, os planos de irrigação a Sul, onde a agricultura sofria
com verões prolongados, secos e quentes, a que se juntava, em grande parte do
território, um solo demasiado estreito com uma
reduzida capacidade de armazenar humidade, foi um dos primeiros assuntos
abordados pelos membros da Academia Real das Ciências de Lisboa.
Nesse sentido, no “Racional discurso sobre a agricultura e
população da província do Alentejo”, publicado pela referida Academia, em
1789, António Henriques da Silveira identifica a variação do caudal dos cursos
de água do Alentejo – muito reduzido no Verão e demasiado abundante no Inverno
– como um dos problemas que afetava a agricultura na região e, consequentemente,
obstava a uma maior fixação de populações. Este autor dá assim o mote para uma
prolongada – mas unânime – discussão, na qual diversos atores políticos
identificaram a necessidade de um plano hidroagrícola para o Alentejo. Com os
caudais regulados e garantindo-se o permanente abastecimento de água às
principais culturas, as extensas herdades alentejanas teriam condições para
contribuir decisivamente para o desenvolvimento económico português. A questão
atravessa todo o século XIX, assim como o período da I República, contando com
diversos estudos e projetos de lei para a concretização de outros tantos planos
de rega, condensados, frequentemente, na vaga expressão «A irrigação do
Alentejo» – talvez o mais famoso seja o «Projecto de Lei do Fomento Rural»,
datado de 1884 e da autoria de Oliveira Martins –, mas que nunca saíram do mero
plano teórico.
O verdadeiro arranque prático destas
ideias dá-se, em 1937, com o Plano de Obras de Hidráulica Agrícola aprovado, no
ano seguinte, pela Câmara Corporativa. Este, cujo término estava previsto para
o ano de 1950, pressuponha a realização de um conjunto de obras que permitiria
regar cerca de 400 mil hectares em todo o território nacional. No entanto, a
sua execução prática não só não obedeceu ao calendário previsto, como tão-pouco
a área de regadio atingiu cifras tão elevadas. Foi precisamente neste plano que
se inclui a construção da barragem de terra de Montargil, cujo projeto final
foi publicado, pelo Ministério das Obras Públicas, em 1944. Uma década mais
tarde iniciaram-se as obras que envolveram também a construção de uma central
hidroelétrica. O resultado foi uma área beneficiada de 15 365 hectares, dos
quais somente 531 hectares se situam no concelho de Ponte de Sor, e uma
produção anual média de 5,9 GWh. Se o aumento da área de regadio, responsável,
por exemplo, pelo crescimento da produção orizícola na região, foi (e é) uma
realidade, já os planos de redistribuição e reocupação do território, a cargo
da então criada Junta de Colonização Interna, ficaram quase todos por cumprir,
com exceção da pequena localidade de Foros de Almada.
Para mais leituras:
Baptista, Fernando Oliveira. 1993. A política agrária do Estado Novo.
Lisboa: Afrontamento.
Cardoso, José Luís, e Academia Real das Ciências de Lisboa. 1991. Memórias
económicas da Academia Real das Ciências de Lisboa, para o adiantamento da
agricultura, das artes, e da indústria em Portugal, e suas conquistas
(1789-1815). Banco de Portugal. 5 vols. Lisboa.
Portugal. Plano de Fomento Agrário. 1995. Inquérito agrícola e florestal
do concelho de Ponte de Sor. Ponte de Sor: s.n.
Silva, Elisa Lopes. 2011.A propriedade e os seus sujeitos: colonização interna e colónias agrícolas durante o Estado Novo. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, dissertação de Mestrado.
P.S. - Texto publicado na edição passada do Arauto de Montargil
segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014
Entre Ingleses e Algarvios: a compra de cortiça no «mato montargilense» oitocentista
“As grandes tiragens são compradas
pelos grandes industriais e fabricantes, e as pequenas por um aluvião de
compradores algarvios, que de muitas parcelas adquiridas em várias herdades
chegam a dispor de porções importantes”. (Picão,
1903)
Foi desta forma
que José da Silva Picão descreveu, em 1903, na clássica obra «Através dos Campos: usos e costumes
agrícolas alentejanos», o mercado florestal de cortiça do Alentejo
oitocentista. De facto, a afirmação do autor elvense, ainda que não sustentada
empiricamente por qualquer estudo de carácter quantitativo, parece comprovar-se
nos municípios que tenho vindo a estudar. Era assim no concelho de Portalegre,
onde os grandes industriais, representados quase em exclusivo pela firma de
origem britânica Robinson Cork Grewers,
partilhavam a liderança da aquisição de cortiça no «mato» com inúmeros pequenos
industriais algarvios.
Gráfico 1
– Distribuição percentual da quantidade de cortiça adquirida no concelho de
Portalegre (1848-1914)
O mesmo se
verificava no concelho de Ponte de Sor, onde, desta feita a Robinson era substituída, como a
principal «representante» das grandes multinacionais corticeiras, pela firma Henry Bucknall & Sons, igualmente,
como o nome denúncia, de origem britânica.
Gráfico 2
– Distribuição percentual da quantidade de cortiça adquirida no concelho de
Ponte de Sor (1857-1909)
Resta esclarecer a forma como foram obtidos estes dados,
até porque, desta forma, o leitor compreenderá uma das principais
particularidades do mercado florestal de cortiça no século XIX. A aquisição de
matéria-prima, ao contrário do que ocorre atualmente, realizava-se essencialmente
através da celebração de contratos de arrendamento de cortiça na árvore. Esta
característica estendia-se não só a todo o Sul de Portugal, como também era
bastante frequente nas principais regiões corticeiras espanholas: Extremadura e
Andaluzia. Consequentemente, quer se tratassem de grandes ou pequenos
industriais; quer fossem de origem portuguesa, espanhola, britânica ou
norte-americana, todos os compradores celebraram milhares de contratos de
arrendamento de cortiça nos diversos cartórios notariais dos principais municípios
ibéricos produtores de cortiça.
Assim, esta documentação contém bastante informação sobre
o funcionamento do mercado florestal de cortiça, permitindo, desde logo, análises
relativamente simples, diretas, mas pertinentes como a identificação dos
principais compradores de cortiça. Por outro lado, também questões complexas
podem ser abordadas: a aferição da eficiência económica deste tipo de contratos,
a identificação de determinadas estratégias empresariais, entre outras. Na
gestão empresarial destacam-se, por exemplo, a integração vertical ou a constituição de redes comerciais,
cujas repercussões se estendem à formação do preço da cortiça e aos fatores de
localização industrial.
As propriedades montargilenses não constituíram exceção ao
cenário já descrito. De forma alternada, foram realizados, por parte de
industriais algarvios, centenas de arrendamentos de montantes relativamente
modestos e, em simultâneo, grandes contratos quase sempre assinados em nome da Henry Bucknall & Sons. Assim, por
exemplo, em 1857, na Herdade da Amieira, José Brito da Mana, natural de São
Brás de Alportel, adquiriu o direito às tiragens de cortiça daquela propriedade
por um período de 9 anos, mediante o pagamento de 208 mil réis ao seu
proprietário, José Maria Ferreira. Posteriormente, em 1877, a Henry Bucknall & Sons, através do
seu representante local, Manuel Tomás, residente em Nisa, explorou, por um
período de 8 anos, a cortiça produzida na Herdade de S. Martinho, cabendo ao
seu proprietário, António Rosado, a quantia de 2 contos (milhões) de réis. Este
último contrato, ainda que o montante se tenha cifrado numa quase decuplicação
do exemplo anterior, fica muito aquém dos maiores contratos celebrados pela
multinacional britânica no concelho de Ponte de Sor.
Para o demonstrar basta referir que Francisco Vaz
Monteiro arrendou, em 1894, por um período de 12 anos, a cortiça de mais de uma
dezena das suas propriedades, que se estendiam desde Avis, passando por
Montargil, e até Ponte de Sor, pela quantia de 43 milhões de réis, o equivalente
ao salário anual de mais de 450 trabalhadores agrícolas, visto que, nesse ano,
o salário médio diário daqueles rondaria os 340 réis. Este contrato
apresenta-se como um exemplo bastante peculiar, devido aos constrangimentos que
Vaz Monteiro, ciente da fragilidade dos sobreiros que acabara de arrendar,
conseguiu impor à Henry Bucknall &
Sons ao nível das melhores práticas suberícolas da época. Mas essa é uma
história que ficará, para já, por contar.
P.S. - Texto publicado na edição de Janeiro do periódico local Arauto de Montargil.
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