sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Um casamento real português que obedeceu à Realpolitik europeia

O reinado e vida de D. Maria II foram marcados por uma tremenda instabilidade económica, social e, sobretudo, política. O seu período de vida (1819-1853) correspondeu também ao desmantelamento das estruturas sócio-económicas de Antigo Regime, que durante séculos marcaram a sociedade portuguesa. Politicamente, o Reino encontrava-se dividido entre os defensores do Absolutismo e aqueles que se bateram pela implantação do Liberalismo. Porém, estes últimos também se encontravam profundamente divididos, pelo que após o triunfo do Liberalismo, em 1834, à turbulência, numa primeira fase, das guerrilhas absolutistas, tem que se adicionar as divisões internas entre liberais, que se prolongaram violentamente até, pelo menos, 1851. O resultado de todas estas tensões foi uma prolongada guerra civil (1829-1834), vários golpes militares (1820, 1823,1824, 1836, 1842, 1846 -1847, 1848, 1851) e a disseminação de diversas guerrilhas armadas.

Medalha contendo o busto da Rainha D. Maria II e, à data, do Príncipe consorte D. Fernando II


D. Maria, após dois efémeros casamentos, continuava, em 1835, sem assegurar descendência e era necessário assegurar um rei consorte que, na medida do possível, pudesse dar alguma garantia de estabilidade governativa ao Reino. Numa época de casamentos arranjados por conveniência política, foram aparecendo vários candidatos (Franceses, Alemães, "Italianos"), tendo sido escolhido D. Fernando de Saxe-Coburgo Gotha, sobrinho do Rei Belga Leopoldo e, mais importante ainda, primo da futura Rainha Vitória.

A mãe de Vitória, a Duquesa de Kent, também ela Vitória, procurou sempre que o matrimónio se concretizasse, que, devido a imensas complicações, esteve por diversas vezes em risco. Esta chegou chegou mesmo a afirmar, numa carta enviada ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, Lord Palmerston, que: "I wish to give to this matter the weight of my position and my personal feelings. Na realidade, a Duquesa escreveu aos principais dirigentes britânicos da época - Lord Palmerston e Lord Melbourne - expondo sempre as vantagens que o casamento traria ao Reino Unido. O principal argumento, entre outros, foi que através da ligação familiar com a futura Rainha Vitória, o Reino Unido manteria uma forte influência em Portugal. 

Por outro lado, segundo a Duquesa, o pai de D. Fernando, o Duque Ernesto, só permitiria que o consórcio se realizasse caso a Grã-Bretanha o apoiasse e se comprometesse a assegurar as condições de segurança necessárias para garantir o bem-estar de D. Fernando, já que a Casa de Saxe-Coburgo não estava em condições de o fazer. 

E o casamento sempre se realizou,  vivendo D. Fernando em Portugal até à sua morte, em 1885.


sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Igreja do Convento de S. Francisco de Portalegre

Em pesquisa pelos Debates Parlamentares (Câmara dos Senhores Deputados, 1822-1910), encontrei uma curiosa referência ao Convento de S. Francisco de Portalegre, cuja Igreja foi recentemente recuperada e se encontra aberta ao público, por iniciativa da Fundação Robinson. Trata-se de uma proposta apresentada em sessão de Câmara de 24 de fevereiro de 1873, pelo Deputado por Portalegre, Pereira de Miranda, para ser concedida à Ordem Terceira de Portalegre a Igreja do extinto Convento de S. Francisco. Transcrevo de seguida a referida proposta, sob a forma de projeto de lei:
«Senhores – O convento de S. Francisco da cidade de Portalegre, que até o anno de 1834 pertenceu aos religiosos franciscanos da provincia dos Algarves, era um dos mais antigos, não só da provincia, mas ainda do paiz.
»Com a extincção das ordens religiosas foi auctorisada a ordem terceira de S. Francisco (que desde longa data já ali existia), por uma portaria da perfeitura de Evora de 9 de outubro de 1834, a servir-se da igreja com sinos e sacristia.
»Aquella ordem terceira, que conta crescido numero de associados, e que gosa da geral consideração, tem não só conservado, mas melhorado o templo, e celebrado nelle as funcções do culto catholico com esplendor e decencia.
»É, pois, de inteira justiça, que á mencionada ordem terceira se faça a concessão definitiva do mencionado templo para n’elle continuar as praticas religiosas, e ouso esperar que merecerá a vossa approvação o seguinte projecto de lei:
»Artigo 1.º É concedida á ordem terceira de S. Francisco da cidade de Portalegre a igreja do extincto convento da mesma denominação e suas dependencias.
»Ar. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
»Sala das sessões, em 24 de Fevereiro de 1873. = O deputado Antonio Augusto Pereira de Miranda.»
Fonte: http://debates.parlamento.pt, 21.ª legislatura, 1.ª sessão legislativa, 19.º diário, ata de 27-01-1875, p. 227.

sábado, 18 de agosto de 2012

Mercado corticeiro ibérico: os casos do Sudoeste Espanhol e Alto Alentejo (1850-1914)


Este é o título provisório de uma proposta provisória de um trabalho que elaborarei com o meu amigo Francisco Parejo Moruno, Professor de Economia da Universidad de Extremadura, em Badajoz. A contextualização e a problematização é a seguinte:   


(Quadro da autoria do Rei D. Carlos do final do século XIX)

A exploração industrial de cortiça iniciou-se em França, no final do século XVII, devido à necessidade do fabrico de rolhas para a indústria vinícola local (PAREJO MORUNO, 2010, p. 15). Contudo, devido à distribuição geográfica do montado de sobro, a indústria corticeira expandiu-se, já em meados do século XVIII, até à Catalunha, visto que a produção francesa rapidamente se revelou insuficiente para satisfazer o aumento da procura de rolhas de cortiça (PAREJO MORUNO, 2010, p. 15). No entanto, com a produção vinícola em crescimento exponencial durante o século XIX (SIMPSON, 2011, p. 1-2), também a produção catalã não foi suficiente para abastecer as necessidades da indústria corticeira. Assim, a procura por matéria-prima estendeu-se às regiões com maior superfície de montando, ou seja, o Sudoeste Espanhol (SERRANO VARGAS, 2009, p. 606-607) e Portugal (MARTINS, 2005, p. 246).
      
Com este trabalho procuraremos identificar as principais características da exploração florestal da cortiça, tendo como base os contratos de arrendamento de cortiça que se celebraram intensamente nestas regiões, num esforço comparativo entre três regiões distintas: Andaluzia, Extremadura e Alto Alentejo. Concretamente pretendemos analisar a duração dos contratos, compreendendo se estes de adaptaram à natureza do ciclo produtivo; determinar quais as zonas industriais que, ao longo do período considerado, foram sendo abastecidas pela cortiça andaluza, extremenha e alentejana; e, por último, determinar se as grandes indústrias corticeiras conseguiram implementar uma estratégia operacional que passaria pela integração vertical, adquirindo cortiça junto do produtor como, por exemplo, parece ser o caso de George Robinson (FONSECA, 1996, p. 69) ou se, por outro lado, convergiam sobre a exploração da cortiça diferentes interesses antagónicos – de produtores, comerciantes e industriais -, perante a ausência de integração vertical, como foi assinalado para o século XX, em Portugal (BRANCO, 2005, p. 165-166).